Antigos presidentes sul-americanos querem reanimar bloco regional

Ex-líderes como Dilma Rousseff, José Mujica ou Michelle Bachelet subscrevem uma carta que dirigem aos chefes de Estado sul-americanos em que pedem a reactivação da Unasur.

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Mujica ao lado de Lula, em Fevereiro de 2020, durante os festejos do 40.º aniversário do PT MARCELO SAYAO/EPA

Vários antigos chefes de Estado e governantes sul-americanos subscreveram um manifesto dirigido aos seus líderes com um apelo a favor da reactivação da União das Nações Sul-Americanas (Unasur), um bloco de integração regional fundado em 2008 que é hoje praticamente inexistente.

A carta é assinada por ex-chefes de Estado como Dilma Rousseff, José Mujica, Michelle Bachelet ou Rafael Correa, para além de ex-ministros dos Negócios Estrangeiros, e funciona como um forte impulso para a reconstrução do bloco regional. O manifesto, citado pelo El País, é dirigido directamente aos Presidentes sul-americanos em funções, com a excepção de Jair Bolsonaro, cujo mandato termina no final do ano – mas Lula da Silva, o Presidente eleito, também recebeu o documento.

A Unasur foi fundada em 2008 com o objectivo de juntar os Estados sul-americanos numa organização regional com capacidade para fazer valer o peso político do continente a nível mundial. Escrevia a revista America’s Quarterly em 2018 que o bloco teve como força motriz a política externa brasileira, então do segundo governo de Lula da Silva. “A ideia dele era fazer com que os países sul-americanos olhassem para dentro à procura de soluções, em vez de andar constantemente a recorrer aos EUA ou à Europa sempre que houvesse um desafio para enfrentar”, descreve a revista.

Naquela época, a América do Sul vivia o apogeu da chamada “onda rosa”, com a eleição de governos progressistas em grande parte do continente que defendiam uma orientação da política externa mais desligada de Washington e assente na cooperação regional.

Com a substituição de praticamente todos os governos de esquerda sul-americanos por dirigentes conservadores ao longo da década seguinte, a Unasur passou a ser encarada como uma organização de cariz marcadamente ideológico. No Brasil, por exemplo, parte das narrativas promovidas pela extrema-direita assenta na existência de um plano dos líderes da “onda rosa” para implantar regimes comunistas em todo o continente à boleia de organismos como a Unasur.

Em 2018, seis dos membros do bloco decidiram suspender a sua participação, deixando o organismo praticamente morto. O isolamento regional da Venezuela, um dos países que mais promoveu a Unasur, em virtude do recrudescimento da perseguição interna levada a cabo pelo regime chavista, acelerou ainda mais o desgaste do bloco regional.

Desde então, a América do Sul tem assistido a uma nova inflexão política com a eleição de seis chefes de Estado de esquerda, incluindo nas maiores economias regionais. Essa mudança não é ignorada pelos subscritores da carta que saúdam o “triunfo de governantes e coligações políticas favoráveis à reactivação da integração regional”. “É uma oportunidade que não se pode deixar passar”, dizem os ex-governantes.

Porém, observam os autores da carta, o objectivo de retomar as actividades da Unasur não se pode resumir a “uma reconstituição puramente nostálgica de um passado que já não existe”. “Uma nova Unasur deve confrontar-se de forma autocrítica com as deficiências do processo anterior” e “garantir o pluralismo e projecção mais além das afinidades ideológicas e políticas dos governos em funções”.

Ao fazer uma análise ao actual contexto internacional, incluindo as consequências da pandemia, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia e a rivalidade geopolítica entre os EUA e a China, para além de desafios existenciais como a crise climática, os autores da carta concluem que é necessária “uma intervenção urgente dos organismos multilaterais que estão hoje infelizmente debilitados”.

“Uma característica essencial do novo cenário é a fragmentação do espaço mundial que tende a reorganizar-se em torno de grandes blocos regionais que, à medida que se vão encerrando, ponde chegar a tornar-se verdadeiras fortalezas”, lê-se no manifesto.

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