Escritor brasileiro Rafael Gallo vence Prémio José Saramago 2022

O romance Dor Fantasma, que lhe valeu a distinção, será publicado em Portugal pela Porto Editora.

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Rafael Gallo é o 12.º vencedor do prémio Willian Olivato - Divulgação

O ficcionista brasileiro Rafael Gallo venceu o Prémio José Saramago 2022, no valor de 40 mil euros, com o romance inédito Dor Fantasma.

O prémio foi anunciado esta segunda-feira à tarde no Centro Cultural de Belém, tendo cabido a um anterior premiado, Bruno Vieira do Amaral, em representação do júri, justificar a escolha do vencedor desta 12.ª edição do prémio, que coincide com o centenário de José Saramago. “É mão cirúrgica, aplicando incisões seguras e sábias, é mão de pintor, na pincelada criativa e intencional, é mão de maestro segurando a batuta e guiando a orquestra num crescendo de som e fúria que culmina no magistral desenlace do romance”, afirmou.

Nascido em São Paulo em 1981, Rafael Gallo revelou-se em 2012 com o livro de contos Réveillon e outros dias, que venceu o Prémio SESC de Literatura e foi finalista do Prémio Jabuti. E em 2016 conquistou o Prémio São Paulo de Literatura com o seu romance de estreia, Rebentar, centrado numa mãe que, trinta anos após o desaparecimento do filho, decide deixar de o procurar e abandona a esperança de o rever.

Sublinhando a importância que atribui ao prémio que agora lhe foi concedido, o escritor, que esteve presente na sessão, contou ter feito em tempos uma lista dos seus dez livros preferidos, na qual incluiu “um romance do grande Saramago”, mas também três obras distinguidas com este prémio, e ainda um romance posteriormente escrito por um dos seus vencedores.

Num discurso previamente escrito a que o PÚBLICO teve acesso, e no qual não revela essa lista de favoritos, o autor diz que já tinha concorrido ao Prémio José Saramago em 2017 com Rebentar. O regulamento da época exigia que os candidatos não tivessem mais de 35 anos, precisamente a idade que então tinha, o que o convenceu de que nunca mais iria poder concorrer. Mas quando recebeu o anúncio desta nova edição, percebeu que as regras tinham afinal sido alteradas e que havia duas mudanças que jogavam a seu favor: só podiam concorrer livros inéditos – Gallo submeteu o manuscrito de Dor Fantasma com o pseudónimo “Pestana” – e a idade limite fora alargada para os 40 anos, permitindo-lhe novamente concorrer, e mais uma vez por um triz. “Não é recomendável contar com isso, mas às vezes a vida dá uma última chance pela segunda vez”, concluiu.

"O meu jeito de falar"

Além de Bruno Vieira do Amaral, o júri desta edição – presidido por Guilhermina Gomes em representação da Fundação Círculo de Leitores, que promove o prémio inclui mais quatro anteriores galardoados: José Luís Peixoto, Gonçalo M. Tavares, Valter Hugo Mãe e João Tordo –, e ainda Pilar del Río, pela Fundação José Saramago, e a escritora brasileira Nélida Piñon, como membro honorário.

O Prémio José Saramago é de periodicidade bienal, mas a pandemia impediu a edição que deveria ter tido lugar em 2021, de modo que Rafael Gallo sucede directamente a Afonso Reis Cabral, que venceu em 2019 com o romance Pão de Açúcar.

Dor Fantasma será agora publicado pela Porto Editora, que apoia o prémio, em Portugal e nos restantes países de expressão portuguesa, à excepção do Brasil, onde será editado pela Globo Livros. De acordo com o actual regulamento, que aumentou a dotação monetária de 25 para 40 mil euros, os vencedores do prémio comprometem-se a garantir ao grupo Porto Editora, por um período mínimo de dez anos, os direitos de publicação e tradução da obra vencedora, bem como eventuais adaptações ao cinema, à televisão ou a outros meios.

A escolha do romance de Rafael Gallo torna-o o quarto escritor brasileiro, depois de Adriana Lisboa (2003), Andréa del Fuego (2011) e Julián Fuks (2017) a ganhar o Prémio José Saramago, lançado em 1999, quando foi atribuído a Paulo José Miranda por Natureza Morta.

Na sua intervenção, o autor sublinhou essa sua condição de brasileiro. “O meu jeito de falar vai soar um pouco diferente aqui, porque temos o mesmo idioma, mas as línguas têm suas singularidades, suas melodias próprias”, avisou. “Sei que, enquanto falo português, ao mesmo tempo eu estou falando brasileiro”.

A última frase, explicou, é uma citação assumida e uma homenagem ao imigrante haitiano que, no início da pandemia, em Março de 2020, foi gravado, num vídeo que se tornou viral, a confrontar Bolsonaro, acusando-o de contribuir para a propagação da covid-19. O então Presidente alegou não compreender o seu interlocutor e este retorquiu-lhe: “Você está entendendo, eu estou falando brasileiro. Bolsonaro acabou”.

Gallo justificou a invocação do episódio por este ter relação com “aspectos da literatura” que considera “valiosos”. Desde logo, a “coragem” de “um acto solitário de desafio aos poderes e normas estabelecidos”, algo que, argumentou, “provoca uma espécie de abertura, uma possibilidade de entendimento diverso do mundo”. Mas também sublinhou que o que esteve em causa foi “o uso das palavras e em especial, um uso fora do comum, o que sempre dá outra potência à palavra”. E exemplificou: “Aquele governo permanecia no presente, mas o homem que o desafiou já o remetia ao passado, quando disse ‘acabou’. E hoje, dois anos depois, finalmente todos podemos dizer por certo: acabou.

Notícia corrigida para acrescentar o nome da brasileira Adriana Lisboa, que recebeu o prémio em 2003

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