Miguel Alves pediu demissão. Costa diz que é a justiça a funcionar

O secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro enviou uma carta ao chefe do Governo a pedir a demissão do cargo para o qual foi nomeado em Setembro passado.

Foto
Miguel Alves, antigo presidente da Câmara de Caminha e secretário de Estado demissionário ABELO

Foi sol de pouca dura. Menos de dois meses depois de ter chegado ao Governo, Miguel Alves já está de saída. No dia em que se soube que foi acusado pelo Ministério Público pelo crime de prevaricação, o até aqui secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro enviou uma carta a António Costa a pedir a demissão do executivo socialista. Pouco depois, o gabinete do primeiro-ministro revelou ter recebido e aceitado a demissão, acrescentando que António Costa já propôs “a sua exoneração ao senhor Presidente da República”, que, de seguida, revelou, em comunicado, ter aceitado a demissão. O primeiro-ministro notava ainda que “oportunamente proporá” a Marcelo Rebelo de Sousa “a sua substituição”.

“Face à acusação deduzida pelo Ministério Público, e mesmo não tendo conhecimento dos seus termos e pressupostos, entendo não estarem reunidas as condições que permitam a minha permanência no Governo de Portugal. Agradeço a confiança depositada em mim pelo primeiro-ministro, o trabalho que foi possível fazer com todos os membros do Governo ao longo das últimas semanas. Estou de consciência tranquila, absolutamente convicto da legalidade de todas as decisões que tomei ao serviço da população de Caminha e muito empenhado em defender a minha honra no local e tempo próprio da Justiça”, escreve Miguel Alves na missiva enviada a António Costa.

O agora demissionário acrescentava ainda que teve conhecimento da acusação pela comunicação social, na tarde desta quinta-feira, e que apresentou o seu pedido de exoneração depois da acusação ter sido confirmada pela procuradora-Geral da República “após contacto efectuado, nos termos legais”, pela ministra da Justiça.

A carta do até aqui secretário de Estado foi também enviada às redacções pelo gabinete do primeiro-ministro às 19h, hora em que António Costa iniciava a reunião semanal com o Presidente da República, que já havia feito saber a intenção de questionar o chefe do Governo sobre a situação do seu secretário de Estado Adjunto. Na nota, Costa faz questão de agradecer “a disponibilidade [de Miguel Alves] para ter aceitado exercer as funções que agora cessa”.

Miguel Alves tomou posse a 16 de Setembro para ocupar um cargo que não existia na orgânica do actual Governo com o objectivo de suprir as falhas de comunicação que se vinham a acumular num executivo que apenas iniciou funções em finais de Março. A acumulação de tais problemas, admitidos pela própria ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, não foi sustida, dado que prevalecia a confusão no seio do executivo quanto às funções de Miguel Alves e de João Cepeda, director de comunicação do Governo.

Por outro lado, o próprio Miguel Alves passou a ser foco de desgaste do executivo depois de, a 26 de Outubro, o PÚBLICO ter noticiado um adiantamento duvidoso de 300 mil euros feito enquanto autarca em Caminha para um projecto que, mais de dois anos volvidos, não chegou a sair do papel. Desde então, soube-se que, quando integrou o executivo, Miguel Alves era arguido em dois processos – num dos quais acaba de ser acusado – e, pelo meio, o Ministério Público revelou estar a investigar o caso relacionado com o adiantamento feito para o que seria um Centro de Exposições Transfronteiriço (CET).

Perante a crescente pressão mediática, Miguel Alves deu, no passado domingo, uma entrevista ao JN/TSF em que quebrou o silêncio para tentar explicar o contrato-promessa que levou ao polémico adiantamento. Contudo, as explicações dadas acabaram por fazer ricochete. O antigo autarca exemplificou como “evidência do trabalho” desenvolvido pela empresa receptora do adiantamento, a Green Endogenous, dois projectos idênticos ao CET que acordou para Caminha, um na Guarda e outro em Alfândega da Fé.

Todavia, o PÚBLICO revelou que, meses antes de Miguel Alves apresentar a ideia de um CET em Caminha, já o projecto da Guarda tinha sido enterrado e que só mais de um ano depois é que a possibilidade de construir um centro transfronteiriço seria apresentado ao município de Alfândega da Fé.

As explicações do então ainda governante não colheram sequer junto de várias figuras socialistas, com vários nomes do PS e dos partidos da oposição a questionarem a continuidade de Miguel Alves no executivo. António Costa falou publicamente apenas uma vez sobre o assunto, a 31 de Outubro, para dizer que mantinha a “confiança política” no seu secretário de Estado, caso contrário, “não estaria membro do Governo”. Deixou de estar.

"Também já fui arguido”, diz Costa

À chegada da reunião da comissão nacional do PS, na sede do partido em Lisboa, António Costa admitiu saber que Miguel Alves era arguido em dois processos mas desvalorizou esse estatuto por considerar que isso “não é um prenúncio de acusação ou de culpabilidade”. “Também já fui arguido”, disse o secretário-geral do PS e primeiro-ministro, acrescentando que “felizmente os processos foram arquivados, não tinham andamento”.

Questionado pelos jornalistas sobre o facto de Miguel Alves ter sido uma escolha pessoal de António Costa, o chefe de Governo afirmou que o caso significa que a justiça está a funcionar. “Vivemos num estado de direito em que felizmente ninguém está acima da lei. Quando há qualquer dúvida ou suspeição sobre a legalidade de um acto praticado em funções públicas seja um presidente de câmara, vereador, um secretário de Estado, um primeiro-ministro, as autoridades devem fazer as averiguações, abrir inquéritos e quando entendem devem acusar”, afirmou.

“Devemo-nos habituar a que os processos de justiça funcionem com tranquilidade e serenidade”, disse.

Questionado sobre se o caso é uma trapalhada, António Costa remeteu a questão para outro fórum: “Isso é trabalho para os analistas políticos”. O chefe de Governo contou que foi preciso confirmar junto da Procuradoria-Geral da República, a dedução da acusação ao ex-presidente da câmara de Caminha, depois da notícia avançada pelo Observador, o que considerou ser uma “forma original” de se saber desta evolução processual.

O primeiro-ministro referiu ainda que “brevemente” apresentará um substituto ao Presidente da República.

Notícia actualizada às 21h40 com declarações do primeiro-ministro

Sugerir correcção
Ler 56 comentários