Pente para piolhos guarda uma das frases mais antigas que conhecemos

Há 3700 anos, alguém escrevia num pente (agora descoberto em Israel) aquela que pode ser a primeira frase registada com um sistema alfabético: uma mensagem de esperança para eliminar os piolhos.

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O pente para piolhos com a frase inscrita no marfim Dafna Gazit/Israel Antiquities Authority

“Que esta presa possa arrancar os piolhos do cabelo e da barba”, lê-se na tradução daquela que será a frase mais antiga que conhecemos, escrita com o primeiro alfabeto inventado (por volta de 1800 a.C.). Está na língua cananeia, que usava este primeiro alfabeto, e está gravada num pente de marfim com a prova de que os piolhos são um problema para a humanidade há milhares de anos.

As letras foram marcadas de forma muito superficial. Daí que, apesar de o pente ter sido desenterrado em Tel Lachish (Israel) há cinco anos, a frase só tenha sido notada já este ano por uma equipa da Universidade Hebraica de Jerusalém (Israel) e da Universidade Southern Adventist (Estados Unidos). Composta de 17 letras cananeias, a forma arcaica em que estão escritas mostra que pertencem a uma primeira fase do alfabeto criado na Idade do Bronze.

“É a primeira frase encontrada na língua cananeia em Israel. Há cananeus em Ugarit, na Síria, mas utilizam uma escrita diferente, não o alfabeto usado até hoje”, explica Yosef Garfinkel, da Universidade Hebraica de Israel, e líder do estudo agora publicado na revista científica Jerusalem Journal of Archaeology. “A inscrição no pente é uma prova directa do uso do alfabeto no quotidiano há cerca de 3700 anos. É um marco na história da capacidade humana de escrever”, conclui o investigador, citado em comunicado.

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Vista aérea de Tel Lachish (Israel) Emil Aladjem

Apesar de a equipa de cientistas apontar para que o pente tenha sido criado por volta de 1700 a.C., as tentativas de definir este objecto através da datação por carbono foram infrutíferas.

Os primeiros sistemas de escrita dos humanos terão surgido por volta de 3200 a.C., no Egipto e na Mesopotâmia, mas não eram alfabetos. Como os hieróglifos egípcios nos mostram, esta escrita era baseada em símbolos utilizados para representar palavras ou sílabas. Daí que o primeiro sistema alfabético esteja inscrito na língua cananeia, que depois se tornou a base para os fenícios e, posteriormente, para o grego antigo e o latim – até chegar às línguas modernas, como o português.

O pente encontrado em Lachish, que seria uma das cidades mais importantes da região, media cerca de 3,5 centímetros e tinha dentes dos dois lados – dos quais já só vemos as bases, por se terem partido com o tempo. A zona central do pente está mais gasta, o que pode resultar da pressão dos dedos a segurar este objecto enquanto cuidavam do cabelo ou removiam piolhos da cabeça e da barba, explicam os autores.

Aliás, além da inscrição, foram encontrados restos de piolhos com menos de um milímetro num dos dentes deste pente – o que ajudou a descobrir o uso deste objecto de marfim. O alerta para o problema dos piolhos, deixado por algum antepassado há 3700 anos, desvenda ainda alguns dos problemas da população nesta época e as soluções usadas para tentar ultrapassar a existência de piolhos – ainda hoje um problema.

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