A casta Callum, os vinhos Cepa C’alua e uma história de amizade e tenacidade

Sérgio Antunes e Domingos Tiodósio decidiram fazer vinho a partir de uma casta antiga que acreditam ser de Oleiros. Fazem o vinho Cepa C’alua e abriram caminho a outros que também já trabalham a uva.

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Sérgio Antunes e Tiodósio Domingos na adega do Vinho Callum. Sérgio Azenha

Conheceram-se num curso de formação profissional, em Castelo Branco, e muito embora estivessem em posições distintas — Sérgio Antunes era formando e Domingos Tiodósio o formador —, estes dois amigos acabariam por unir esforços naquilo que começou por ser um “projecto-piloto” e que pretendia averiguar “se havia aceitação relativamente à casta Callum”.

À data em que tiveram a ideia de negócio, 2014, a casta branca Callum — que aparece hoje na rotulagem da Denominação de Origem Beira Interior e da Indicação Geográfica Terras da Beira, como sinónimo da casta Batoca —,​ não estava na lista das autorizadas pelo Instituto da Vinha e do Vinho (IVV), mas a persistência da dupla, e o apoio precioso do Município de Oleiros, levou a que Sérgio e Domingos conseguissem lançar, no último Verão, o primeiro vinho Cepa C'alua (como IG Terras da Beira).

Foi a Câmara Municipal de Oleiros que propôs a certificação da Callum ao IVV, na sequência de um trabalho de recuperação da casta junto de pequenos produtores do concelho, Sérgio e Domingos incluídos. O IVV aceitou o processo em Setembro de 2019 e a casta está certificada desde o início de 2020 para a região demarcada da Beira Interior.

Fonte oficial da autarquia explica ao Terroir que as primeiras plantações foram feitas com material genérico “de Oleiros, historicamente o lugar da Callum”.

Entretanto, há pelo menos mais um produtor no distrito de Castelo Branco a trabalhá-la. A Quinta dos Termos, que instalou um campo com 92 clones de Callum na sua Herdade do Lousial e lançou ainda em 2021 um monovarietal que certifica como DO Beira Interior.

Com uma origem secular, a uva que Domingos, Sérgio e o Município de Oleiros afirmam ser originária do concelho, “nem sequer era reconhecida por parte do IVV [Instituto da Vinha e do Vinho]”, contam os dois amigos, com raízes na aldeia Cardosa. E isso obrigou-os a trilhar um percurso “desafiante e ambicioso”, que também significou abrir caminho para um novo produto na Beira Interior.

Os vinhos Cepa C’alua, feitos a partir de uma casta branca secular originária de Oleiros, a Callum, chegaram ao mercado no Verão. Sérgio Azenha
Sérgio Antunes é um dos sócios dos vinhos Cepa C’alua. Sérgio Azenha
Domingos Tiodósio (à esquerda) conheceu Sérgio Antunes (à direita) em 2014. O primeiro era formador e o segundo formando num curso de formação profissional, em Castelo Branco. Começou aí a história dos vinhos Cepa C'alua. Sérgio Azenha
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Os vinhos Cepa C’alua, feitos a partir de uma casta branca secular originária de Oleiros, a Callum, chegaram ao mercado no Verão. Sérgio Azenha

Confirmada a autorização para fazer vinho com a casta Callum, em Janeiro de 2020, Sérgio e Domingos conseguiram então lançar o seu vinho para o mercado em 2022: o Cepa C’alua. Também avançaram com a sua primeira plantação de vinhas. Fazem questão de garantir que este será sempre um projecto colectivo, envolvendo os produtores de Oleiros.

“Começámos por tentar perceber a quantidade de vinhas [da casta] Callum que existiam, e também a qualidade, devido aos incêndios que foram atingindo a região”, conta Domingos Tiodósio. Andaram de freguesia em freguesia, a falar com os produtores, num processo que levou o seu tempo. “As pessoas não nos conheciam, era tudo novidade”, testemunham. Estabelecidos os contactos, adquiriram as uvas a produtores locais e, em 2016, realizaram a sua primeira produção, ainda em fase de testes, “a ver se tinha aceitação”. O resultado foi animador, “a nível local, mas também fora da região”, garantem.

Pedro Teixeira é o enólogo que os acompanha desde a primeira hora neste projecto, que não precisou de muito tempo para deixar de ser apenas um “piloto”. Sérgio Antunes e Domingos Tiodósio, ambos com 45 anos, o primeiro com um passado de trabalho em design e informática e o segundo com background no marketing, já investiram na construção de uma adega — nos primeiros três anos, trabalharam num barracão —, e num terreno com cerca de um hectare de vinhas próprias. Dentro de ano e meio, dois anos, poderão estar já a colher uvas dessas plantações, na localidade da Silvosa, acreditam. “As videiras Callum ao fim de três ou quatro anos já estão a produzir”, atestam.

Os produtores dos vinhos Cepa C’alua têm planos para crescer e querem “apostar na diferenciação e valorização”, nunca em grandes quantidades. Em 2020, produziram 2.500 garrafas. “Os produtores a quem compramos também não têm grandes quantidades de uva”, reparam, lembrando que as videiras “caluas” têm características especiais: são plantadas junto às linhas de água e, normalmente, trepam por outras árvores como salgueiros, amieiros, sobreiros ou cerejeiras.

Num levantamento feito pela Câmara de Oleiros, pode ler-se que a Callum já aparece “referenciada pela Ordem de Malta nos forais de Oleiros velho [século XIII] e novo [século XVI], assim como em documentos oficiais da Direcção-Geral de Agricultura, de finais do século XIX”. No site da autarquia, refere-se também que algumas das videiras de Callum existentes no concelho são anteriores à filoxera.

Vindimas tardias

Produzida num “terroir com muita pedra”, esta casta cujo nome advirá, provavelmente, do latim “Callum” (e que quer dizer pele dura, crosta) ou “Callosus” (caloso duro), requer vindimas tardias, em Outubro ou até mesmo em Novembro. “Os antigos diziam que chegavam a ser feitas em Novembro, mas nós sempre fizemos em Outubro”, contam os produtores do Cepa C’alua.

Por esta altura, têm a produção deste ano — cerca de 6.000 quilos de uvas — em fase de fermentação e, tudo leva a crer, que 2022 foi um ano bom. “Não sentimos o efeito da seca. Aqui a questão tem mais a ver com a necessidade de encontrarmos um equilíbrio, uma vez que o concelho é demasiado grande e nalguns locais a uva está madura e noutros não”, explicam.

Sérgio Antunes e Domingos Tiodósio têm andado por vários territórios, nomeadamente além-fronteiras, a promover o seu vinho branco, muito ligeiro, de baixo teor alcoólico e cuja tonalidade varia entre o amarelo palha e o topázio. “É um vinho fresco, frutado e que se bebe bem como aperitivo, mas também a acompanhar a refeição. Inclusive, vai bem com o cabrito estonado aqui da região”, sublinham.

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