Maus-tratos a animais e violência doméstica

A par da violência física, verbal, sexual, económica, também os animais domésticos podem representar um papel (involuntário) às mãos do agressor.

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"Muitas vítimas de violência doméstica mantêm-se na relação conjugal como forma de proteger o seu animal de estimação" Filipa Fernandez/Arquivo

“… muitos(as) agressores(as) em contexto de violência doméstica maltratam também os animais de companhia ou ameaçam fazê-lo, sendo essa uma via mais para agredir, coagir e dominar o outro.”

A violência contra os animais pode estar relacionada com a violência doméstica. Significa isto que, em situações de abuso intrafamiliar, os animais domésticos são também, muitas vezes, vítimas dos/as agressores/as e podem, eles próprios, ser uma forma de exercer violência sobre os membros da família.

Não conhecemos estatísticas fiáveis referentes ao nosso país mas, no Reino Unido, mais de metade da população adulta tem um animal de estimação. Sejam lá quais forem os números reais em Portugal, não há dúvida que será muito significativo o número de lares portugueses em que vivem animais de companhia — tipicamente, um cão ou um gato. E, em muitas dessas casas, vivem-se situações de violência doméstica e outros tipos de abuso.

Mas qual é, então, a relação entre as dinâmicas abusivas entre membros do mesmo agregado familiar e os animais de estimação? Alguns estudos mostram que muitos/as agressores/as, em contexto de violência doméstica, maltratam também os animais de companhia ou ameaçam fazê-lo, sendo essa uma via mais para agredir, coagir e dominar o outro.

A par da violência física, verbal, sexual, económica, também os animais domésticos podem representar um papel (involuntário) às mãos do/a agressor/a: “Se tiver de sair de casa, o cão vai comigo!” ou “Se continuas a comportar-te assim, este animal vai desaparecer”, são apenas alguns exemplos.

Neste contexto, muitas vítimas de violência doméstica mantêm-se na relação conjugal como forma de proteger o seu animal de estimação, quer porque receiam que o/a agressor/a concretize as ameaças de maus-tratos, quer por não terem alternativa de habitação que lhes permita levar consigo o animal.

As crianças são também particularmente vulneráveis a este tipo de manipulação, sendo que, em contextos de violência doméstica ou conflito parental, o animal constitui muitas vezes um “porto de abrigo” que as ajuda a suportar as agruras da vivência familiar. E, portanto, cujo bem-estar assume grande relevância para os seus pequenos donos.

Quer isto dizer que o animal doméstico e o tratamento que lhe é dado por cada um dos membros da família pode constituir um valioso indicador acerca do que se passa no seio do agregado familiar e explicar, ao menos em parte, o comportamento das vítimas de violência que permanecem em relações abusivas. Do mesmo modo, também em casos de conflito parental, os animais domésticos poderão ser um fator na manipulação do comportamento das crianças por parte de um dos progenitores.

São, pois, extensas as relações entre os comportamentos abusivos intrafamiliares e a relação com os animais domésticos. Saibamos nós, nos tribunais, estar atentos aos sinais.


O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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