E.T. — o Extraterrestre faz 40 anos e continua a unir gerações

Spielberg fez eco de Peter Pan e lançou as bases para o blockbuster moderno, tornando um extraterrestre estranho carismático. Décadas depois, faz chorar e rir pais e filhos.

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Henry Thomas como Elliott em "E.T." DR

“Eu estarei aqui”, diz o alienígena de E.T.: O Extraterrestre no momento mais comovente do filme, apontando o longo e brilhante dedo para a testa do seu amigo humano, Elliott. Quarenta anos depois, a criatura cumpriu a promessa e encontrou lugar cativo na memória de muita gente.

E.T. é um daqueles raros filmes que podem ser vistos e revistos, por diversas pessoas e em diferentes épocas, sem jamais perder seu poder de encantamento. É a síntese perfeita do cinema de Steven Spielberg, realizador que lançou as bases para o blockbuster moderno e criou um sucesso avassalador de bilheteira – mas com coração.

Talvez seja por isso que, ainda hoje, o filme mantenha a sua frescura. Na actual era de blockbusters descarregados aos montes nas salas de cinema, é difícil encontrar um filme que, por trás dos gordos orçamentos e efeitos especiais pomposos, seja capaz de se ligar de forma tão sincera e íntima com o espectador.

Até hoje, E.T. não encontra obstáculos. Em Maio, durante o Festival de Cannes, o filme foi exibido numa sessão especial, aberta ao público, que ficou horas numa longa fila que contornava a praia. Ao lado do repórter que assina este texto, uma mulher estava acompanhada por duas crianças, entre os cinco e dez anos. Mãe e filhos riram e choraram nas mesmas cenas.

Quando o alienígena parecia estar a morrer, o menino atirou-se para o colo da mãe, abalado, debulhando-se em lágrimas. Até que o peito da criatura brilhou num vermelho intenso, levando o menino francês a repetir a fala que Elliott diz em cena –"il est vivant!”, “ele está vivo!”.

A cena da vida real é prova de que E.T. não tem idioma ou idade, género ou país. E em vários países volta aos cinemas para ser apresentado a uma nova geração, na mesma versão remasterizada exibida em Cannes e agora ajustada para as salas Imax, em comemoração do aniversário dos seus 40 anos. (Portugal ainda não tem sessões agendadas.)

Também foi no Festival de Cannes, em 1982, que o original se estreou, fora da competição, mas já coberto de elogios. Teria depois uma passagem avassaladora pelas salas mundiais, mantendo por uma década o título de maior receita de bilheteira da história e conquistando uma das cinco nomeações para o Óscar de Melhor Filme, apesar de seu carácter despretensioso e familiar.

Venceria quatro estatuetas – som, mistura de som, banda sonora e efeitos especiais –, mas não sem arrancar de Richard Attenborough, que recebeu o prémio principal por Gandhi, a declaração de que E.T. deveria ter vencido, por ser “inventivo, poderoso e maravilhoso”. Attenborough tornar-se-ia amigo de Spielberg e participou no seu Jurassic Park, que se tornaria o novo recordista de bilheteira 11 anos mais tarde.

Com tanta projecção, o extraterrestre solidificou, ao lado de Star Wars, a relação de Hollywood com a indústria do licenciamento – algo um tanto restrito à Disney até então – e fez do seu protagonista de dedo brilhante o brinquedo mais vendido no Natal de 1982.

Spielberg tornou carismático um ser enrugado, castanho, de olhos esbugalhados, com pescoço tão esquisito quanto o formato da sua cabeça e, como acredita Gertie, personagem de Drew Barrymore, com pés estranhos. Ao lado do compositor John Williams, criou memórias cinematográficas inapagáveis, embaladas por uma banda sonora que comove só por si.

Há quem critique o cinema do americano justamente pelo seu lado comercial. Mas nenhum dos filmes de Spielberg até aqui deixou de ter algum tipo de ambição artística. A porção capitalista é como um bónus e, em Hollywood, ninguém escapa disso se quiser garantir orçamentos suficientes para verdadeiros espectáculos cinematográficos – marca registada do cineasta.

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O elenco de E.T.: O Extraterrestre com Steven Spielberg e a produtora Kathleen Kennedy, quando se comemoraram os 20 anos do filme Alex Berliner/Reuters

Mal sabiam os críticos dos anos 1980, aliás, que quatro décadas depois teriam de lidar com filmes que, esses sim, parecem concebidos inteiramente para vender bonequinhos, da Marvel à DC, de animações da Disney em carne e osso a sequências que estão há distância de décadas dos originais que as inspiraram.

E.T., pelo contrário, deu origem a um conto de fadas para os tempos actuais, misturando a pureza de Peter Pan, lembrado repetidamente no guião, com a modernidade da ficção científica que ganhava contornos épicos entre os anos 1970 e 1980.

E é, para muitos, nada menos que uma adaptação da história do menino que vivia na Terra do Nunca. “Por que é que não cresces?”, pergunta o irmão mais velho de Elliott a certa altura ao menino do casaco vermelho. E.T. dá ao espectador a oportunidade de se revoltar contra essa provocação e, nas suas duas horas, se recusar a ser adulto, a viver num mundo cheio de pragmatismo e vazio de imaginação.

É na aparente simplicidade e inocência da história que reside a complexidade e a maturidade de E.T.: O Extraterrestre. O filme é um clássico que, assim como Wendy passou anos à espera por uma nova visita de Peter Pan, e tal como Elliott certamente passou outros tantos à espera de E.T., nós esperamos ansiosamente por uma nova oportunidade de revisitar.

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