Paris a ferro com medo do fogo

A segurança nacional estará sempre em causa quando a força, a repressão e o estado policial de dedo apontado a disparar às cegas forem a resposta ao medo.

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Reuters

Medo foi a sensação à chegada ao dar de caras em pleno Charles de Gaulle com uma trupe militar armada até aos dentes, jovens em patrulha com idades na casa dos 20 anos e já de metralhadora em punho e olhar atento e vigilante.

Estou em riste.

Demorei 24 horas entre o pitoresco das ruelas de Montmartre e o fulgor do Sacré-Coeur para descer à terra e dar de caras com os sobreviventes da viagem, as centenas de refugiados dispostos a intervalos regulares ao longo dos boulevards de Paris à procura de vender algo, de comer algo, enquanto estendem a quem passa perfumes, souvenirs, tabaco, as tendas onde dormem, os cobertores com que cobrem vidas sem tecto nem esperança.

À entrada para o metro, um grupo de jovens vem claramente ao encontro dos transeuntes e, de repente, já um procura avidamente vender-nos os bilhetes que tem na mão. Perdoem-me, mas a insistência era tal apesar da nossa recusa e volteios que acabámos por sair dali em direcção a parte incerta apenas porque sim, para sairmos dali antes que nos víssemos rodeados e cercados.

A inspecção à entrada e saída das estações é constante com grandes conglomerados de gente e esperas imensas. Invariavelmente, há sempre e sem excepção um passageiro sem título de transporte e discussões acaloradas para justificar o injustificável quando a vida desta cidade não permite o gasto de 1,9 euros numa viagem de metro.

Igualmente injustificável é a degradação à volta das grandes atracções turísticas como são exemplo o abandono dos Campos Elísios ou do Jardim das Tulherias, despidos e vedados sem nexo, dando lugar ao pó, mas não só, ou não tivéssemos um alegre roedor como companhia, ergo uma ratazana a passar ao lado enquanto se toma um café à beira do Louvre.

Os jardins não são jardins onde se possa ficar mas um espaço onde o transeunte, como o nome indica, deve obrigatoriamente transitar sem parar. O desconforto e a insegurança sentidas contrastam, no entanto, com a miséria nos olhos e a tristeza na voz dos vendedores ambulantes, e não conseguimos deixar de pensar no porquê da sua presença por toda a Paris.

A resposta do Governo Francês? Tem sido o controlo das suas fronteiras e a consequente interrupção temporária do acordo de Schengen. O país da “liberté, égalité, fraternité" afirma temer a entrada no seu território de terroristas, crime organizado, traficantes, imigração ilegal e todo o tipo de pessoas cuja presença entre refugiados possa colocar em causa a segurança nacional.

Ora, a segurança nacional estará sempre em causa conquanto na vizinhança do Louvre se encontrem os nossos iguais a dormir em tendas e a maior parte das vezes nem isso. A segurança nacional estará sempre em causa quando a força, a repressão e o estado policial de dedo apontado a disparar às cegas forem a resposta ao medo. Ao invés do acolhimento e da inclusão, ao invés do procurar perceber o porquê dos milhões de refugiados, tantas vezes vítimas dos mesmos países que agora lhes fecham as portas.

Basta andar nos vários transportes públicos e perceber como Paris e a sua rede de metro é para os franceses caucasianos em claro contraste com os comboios da Babel da periferia apinhada e varrida para debaixo do tapete, vulgo os subúrbios sem futuro nem sentido.

Mas a política do longe da vista já há muito não faz sentido quando é o exército quem patrulha Paris numa sexta-feira à noite, uma Paris em full metal jacket onde jovens de 20 anos caminham com as nossas vidas na ponta dos dedos.

Esta não era a Paris pela qual esperei. Nem esta Paris nem esta sociedade de posições extremadas. Será apontar armas a quem passa a resposta? Será o fechar das fronteiras a resposta? Não quando o problema está bem presente e há muito presente dentro da própria sociedade e ignorá-lo não é senão esperar sentado num barril de pólvora.

Actualização: Foi corrigido e clarificado o 8.º parágrafo, referente ao controlo das fronteiras de França.

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