Inscreveste-te no ensino superior ou no primário?

Pedem-se turmas de alunos que respeitem os princípios básicos inerentes a um reduzido conjunto de vocábulos que tanto devem ser utilizados por eles e pelos professores.

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"As gerações de outrora não eram melhores do que as do presente." Nelson Garrido/Arquivo

Bate com a porta e senta-se meia hora depois do toque de entrada, já depois de ter passado o quarto de hora académico. Afunda-se na cadeira e balança como se o movimento fosse imprescindível para que se mantenha acordado. “Não faças isso com a cadeira, que podes cair”, pede o professor. Responde o aluno: “Mas porquê, estou a fazer alguma coisa de mal?”

Entretanto, noutra sala, alguém se levanta a meio de um exercício. “Onde vais?”, questiona a docente. “Eu vou atender uma chamada lá fora”, riposta o aluno. São estudantes que se levantam espontaneamente, sem motivo plausível para o fazer, são alunos que desafiam o rigor do ensino superior. “Mas eu tenho de saber isto? Eu nem vou utilizar isto…”, sorriem, enquanto mexem no telemóvel. “Liguem o computador! Larga o telemóvel! Estás a jogar na sala de aula?”, pergunta a professora, recebendo como resposta: “Posso fazer o exercício no telemóvel?”

Lecionar é dos trabalhos mais estimulantes e rejuvenescedores, na medida em que permite o contacto constante com as novas gerações. É uma aprendizagem mútua. E um professor que mantenha os horizontes abertos e que não se encerre sobre si próprio, certamente envelhecerá mais tarde que os outros profissionais.

O ator Vasco Pereira Coutinho criou uma personagem deliciosa nas redes sociais: a professora Regina, recordando-nos todos os episódios que vivenciámos em sala de aula, como o tradicional: sai da sala e volta a entrar, perante uma entrada a pés juntos. Olhando às caixas de comentários, verificamos que aqueles comportamentos personificados pelo ator, que deveriam recordar procedimentos antigos de professores do ensino primário, são afinal identificados como o dia-a-dia de todo e qualquer professor, independentemente do ano de escolaridade.

As mesmas correções que as professoras fazem no ensino primário, são repercutidas pelas docentes do ensino superior. E não é exagero fazer esta afirmação. Exige-se proporcionalidade no respeito e de forma alguma é defensável, que sob a elevação de se ser professor, se humilhe ou atemorize um aluno, ou se o mortifique por determinada falha, como sabemos acontecer ainda em alguns contextos de ensino superior.

Todavia, é o professor que se sente cada vez mais desprotegido em sala de aula, o que leva a que alguns acabem por alinhar na ‘macacada’ digna de ensino primário, sem se preocuparem se o aluno está a dormir ou a jogar. O trabalho é de equipa e não adianta um professor corrigir um aluno e alertá-lo para não estar a mexer no telemóvel o tempo todo, se na hora de aula a seguir, vem outro docente, que ignora completamente o comportamento.

Não se pedem turmas de alunos brilhantes, nem despertos para matérias com as quais não se identificam. Pedem-se turmas de alunos que respeitem os princípios básicos inerentes a um reduzido conjunto de vocábulos que tanto devem ser utilizados por estudantes como por professores: “Desculpe, por favor, obrigada, bom dia.” A educação, em alguns casos, fica à porta da sala de aula e isso é preocupante.

Desrespeitam-se prazos de entrega, enviam-se e-mails madrugada adentro exigindo resposta célere, pede-se condescendência, perante um cada vez maior número de justificações de ensino primário. “Então Joãozinho, porque não trouxe o trabalho feito?” “Ó professora, esqueci-me, ou melhor, para lhe ser sincero, não me apeteceu!” O Joãozinho tem 23 anos e inscreveu-se no ensino superior, porque quis e a pagar.

As gerações de outrora não eram melhores do que as do presente. Há uma tendência para o aperfeiçoamento do indivíduo, mas ainda que não sejamos alheios a esta visão romântica da vida de professor, o ofício torna-se difícil, se a postura e comportamento adotados em sala de aula, por vezes, relembra o ensino primário e não o ensino superior. Há uma expressão muito frequente no contexto militar, que enquadra o que pretendo dizer: “À vontade não é à vontadinha.”

Quando surge uma turma, cujo ambiente é pautado por maturidade e saber estar, é nota 20 na certa. Eu tenho a sorte de ter algumas dessas turmas. Uma maravilha, chega a hora de sair e não se apressam, continuam entusiasmados a aprender. Afinal é para isso que ali estão.

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