Doutoramentos nos politécnicos têm “riscos”, alerta Governo

MCTES é favorável à manutenção de um sistema binário, com ensino universitário e politécnico. Mudanças em discussão na Assembleia da República podem abrir a porta a fusões no sector.

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A possibilidade de fusões entre universidades e politécnicos foi posta em cima da mesa no Governo de Pedro Passos Coelho Andre Rodrigues

A Assembleia da República está a discutir a possibilidade de os institutos politécnicos mudarem a sua designação para universidades e passarem a poder atribuir doutoramentos. A decisão, que está nas mãos dos deputados, não cabe ao Governo, mas o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) veio alertar para os “riscos” que essas alterações comportam. A solução pode pôr em causa o sistema binário actualmente existente e pode abrir a porta a uma reorganização do sector que passe por fusões entre instituições.

A posição do MCTES é a de que “o sistema de ensino superior ganha em ser diversificado”, afirma ao PÚBLICO o secretário de Estado do Ensino Superior, Pedro Teixeira, que tem sido o porta-voz do ministério liderado por Elvira Fortunato para esta matéria.

“Ter um sistema binário [com um subsistema de ensino universitário e outro politécnico] é uma condição para isso”, prossegue o governante, e “isso vai ser cada vez mais difícil com a aprovação destas duas medidas”.

Em causa está a discussão de uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos (ILC), apresentada pelos Conselhos Gerais dos politécnicos públicos, que propõe a alteração da designação dos institutos superiores (para universidades politécnicas) e a possibilidade de outorga de doutoramentos, que é actualmente um exclusivo das universidades.

“A questão foi colocada ao Parlamento e não nos parece adequado estar a condicionar os deputados”, contextualiza Pedro Teixeira, segundo o qual a intervenção do MCTES “não foi tanto dizer o que defendemos, mas ajudar a reflectir sobre as consequências” da eventual mudança. Na sessão da comissão parlamentar de Educação em que foi ouvido, usou mesmo a expressão “questão de regime”. “Não é uma coisa simples, não é apenas uma mudança de nome”, acrescenta, em declarações ao PÚBLICO.

Antes de ser escolhido como secretário de Estado, Pedro Teixeira era investigador nas áreas das políticas do ensino superior. Foi director do Centro de Investigação em Políticas do Ensino Superior, consultor da Casa Civil da Presidência da República para o sector e integrou o grupo de trabalho sobre o ingresso nas universidades e politécnicos nos últimos anos. Foi a essa experiência que recorreu na apresentação que fez aos deputados, em que comparou a forma de organização e as designações das instituições de diferentes sistemas de ensino superior internacionais.

“Nos sistemas binários, como o português, a regra é que as instituições com as características dos politécnicos não se chamem universidades nem atribuam doutoramentos”, sintetiza. O secretário de Estado sublinhou os casos da Noruega, que permitiu aos colleges regionais adoptarem a designação de universidade, ou da Irlanda, que criou universidades tecnológicas, como bons exemplos para antecipar o que pode acontecer em Portugal.

Em ambos os casos, a aproximação entre o ensino de características politécnicas e o universitário resultou numa reorganização da rede de ensino superior, nomeadamente através de fusões entre instituições — a Noruega fê-las em dois momentos (2004 e 2013), a Irlanda está a concluí-las agora, na sequência de uma estratégia nacional para o sector lançada há uma década. “Estes são sempre processos complexos, desgastantes, dispendiosos”, vinca Teixeira.

A possibilidade de fusões entre universidades e politécnicos foi posta em cima da mesa no Governo de Pedro Passos Coelho, mas, perante a oposição das instituições, nunca chegou a avançar qualquer processo de reorganização da rede de ensino superior público.

O único caso foi a fusão entre as universidades Clássica e Técnica de Lisboa, concluída em 2012, por iniciativa das reitorias das duas instituições.

As reticências à possibilidade de os institutos politécnicos poderem conferir o grau de doutor colocadas pela actual equipa do MCTES, liderada por Elvira Fortunato, contrastam com a posição do seu antecessor, Manuel Heitor. Foi por iniciativa do anterior ministro que essa solução foi inscrita na Lei de Graus e Diplomas, quando esta foi revista em 2018. No entanto, Heitor só assumiu essa posição na sequência de numa avaliação ao sistema de ensino superior nacional da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico, que validou essa possibilidade.

Desde 2018 que se sabia que a concretização da medida implicaria também mudanças na Lei de Bases do Sistema Educativo e do Regime Jurídico do Ensino Superior, a que a Iniciativa Legislativa de Cidadãos (ILC) pretende dar resposta. Entretanto, Bloco de Esquerda e PCP apresentaram também propostas de diploma nesse sentido.

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