Governo falha solução prometida para limitações à parentalidade dos cientistas

Lei de 2016 não previu o impacto do nascimento de um filho sobre os calendários dos projectos em que estão envolvidos.

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Nelson Garrido

O Governo não cumpriu a promessa, feito no início deste ano, de resolver a limitação legal que impede os cientistas com contratos temporários, ao abrigo da lei do emprego científico, de prolongar os seus vínculos quando queiram gozar a licença de parentalidade. Nem o anterior ministro da Ciência, Manuel Heitor, que se tinha comprometido a encontrar uma solução, nem a sua sucessora, Elvira Fortunato, responderam até agora aos problemas levantados pelos investigadores.

Em causa estão os cientistas contratados ao abrigo da lei do emprego científico de 2016. Esse diploma deu a possibilidade aos investigadores de passarem a receber um apoio da Segurança Social semelhante ao que é concedido aos restantes trabalhadores em caso de parentalidade. No entanto, não previu o impacto que o nascimento de um filho tem sobre os calendários dos projectos em que estes cientistas estão envolvidos.

Quando o PÚBLICO levantou a questão, em Janeiro, o gabinete de Manuel Heitor, então responsável pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES), reconheceu a “limitação” da lei e anunciou ter dado indicações aos serviços jurídicos da tutela para que seja “encontrada uma solução no imediato”. Como o Governo estava em final de mandato, depois da dissolução da Assembleia da República, Heitor antecipava que a resposta ao problema passaria pela publicação de uma portaria específica ou de um despacho, cabendo ao futuro Governo e ao Parlamento que viesse a ser eleito nas eleições do final desse mês confirmar a sua inclusão na lei.

No entanto, nem o despacho ou portaria prometidos chegaram a ser publicados, nem o tema mereceu, até agora, a atenção do novo Governo ou dos deputados eleitos para a XV Legislatura, confirmam a Federação Nacional dos Professores (Fenprof) e a Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC), que têm acompanhado a matéria. Desde o início deste mês que o PÚBLICO tem questionado repetidamente a nova equipa do MCTES sobre esta matéria, mas a tutela nunca respondeu às perguntas feitas.

O assunto não é, porém, estranho à equipa liderada por Elvira Fortunato, já que os temas dos direitos à parentalidade foram uma das prioridades definidas pela ABIC na primeira reunião mantida com o ministério no início deste mandato. “Insistimos no assunto ao longo dos últimos meses, a última vez em Julho”, conta Bárbara Carvalho, dirigente da associação. “Não temos tido respostas.”

A questão da prorrogação do vínculo para cumprimento dos planos de trabalho é levantada não só para os cientistas que gozem de licença de parentalidade, como também para as baixas por doenças por tempo prolongado.

Além disso, a ABIC pretende também que seja regulamentada a forma como são cobradas as propinas para os bolseiros de doutoramento durante o período da licença de parentalidade. Actualmente, na ausência de uma portaria que o clarifique, a situação “é arbitrária”, havendo instituições que as cobram e outras que não o fazem, explica Bárbara Carvalho. Esta questão também já tinha sido levantada junto do anterior ministro e foi novamente apresentada a Elvira Fortunato, no início do seu mandato.

Desde 2016, foram assinados cerca de 7000 contratos de trabalho ao abrigo do novo enquadramento legal criado. Um dos principais objectivos dessa legislação foi dar mais protecção social aos cientistas. A maioria dos investigadores trabalhava ao abrigo de bolsas, com apenas 12 meses de vencimentos e acesso aos apoios mínimos concedidos pela Segurança Social. No caso das licenças de parentalidade, o diploma criou uma situação paradoxal.

Por um lado, aumentou o apoio social. Os bolseiros recebiam o valor mínimo, de cerca de 350 euros, ao abrigo do Seguro Social Voluntário, no período em que gozavam da licença de parentalidade, ao passo que os investigadores com os novos contratos passaram a ter direito ao apoio concedidos aos restantes trabalhadores, que é de 80% do seu vencimento.

Mas deixou de haver um prolongamento dos vínculos que permitisse manter os calendários de trabalho previamente fixados – isto é, o regime anterior previa que as bolsas de doutoramento ou pós-doutoramento ficassem, na prática, em stand-by, durante o período de ausência dos novos pais. Nos contratos ao abrigo da lei do emprego científico isso não acontece.

A situação explica-se porque a lei do emprego científico prevê a aplicação, em tudo o que não estiver especificamente regulamentado naquele diploma, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, quando o investigador trabalha numa instituição pública, ou do Código do Trabalho, quando o vínculo é com uma instituição de direito privado. Foi o caso do gozo de licenças de parentalidade. Não tendo a lei de 2016 estabelecido um regime específico, aplica-se a lei geral, que “não suspende a caducidade dos contratos a termo”, explicava a Fundação para a Ciência e Tecnologia no início do ano.

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