Vem aí uma iniciativa legislativa cidadã para criar Serviço Nacional de Cuidados

Já reuniu quatro mil assinaturas a campanha em forma de iniciativa legislativa cidadã “Direito ao Cuidado, Cuidado com Direitos”. Lançada em Abril em Lisboa, é apresentada neste sábado no Porto.

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A iniciativa preconiza “reconhecimento do vínculo laboral" e "valorização salarial" para os cuidadores formais Paulo Pimenta

E se Portugal criasse um Serviço Nacional de Cuidados, como criou um Serviço Nacional de Saúde? Há uma campanha, que assume a forma de iniciativa legislativa cidadã, para isso. Intitula-se “Direito ao Cuidado, Cuidado com Direitos” e soma já quatro mil das 20 mil assinaturas de que precisa para ser discutida e votada na Assembleia da República

Na origem de tudo estão meia dúzia de entidades: a Coletiva, a Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis, a Associação dos Profissionais do Regime de Amas, a Associação Nacional de Cuidadores Informais, a Solidariedade Imigrante – Associação para a Defesa dos Direitos dos Imigrantes e o Sindicato dos Trabalhadores da Saúde, Solidariedade e Segurança Social. Entretanto, aliaram-se a APRe – Associação de Aposentados, Pensionistas e Reformados, a Dinamicamente, a Climáximo, a Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto, o Observatório de Violência Obstétrica em Portugal e a Saber Compreender.

A proposta deixa claro o que se pretende: “o direito ao cuidado em situação de dependência.” Do Serviço Nacional de Cuidados fariam parte “estabelecimentos e serviços de acesso gratuito e universal em todo o território nacional”, uma “rede pública de lares/centros de dia com cuidados individualizados, de serviços de apoio domiciliário, de creches públicas, de uma bolsa pública de assistentes pessoais, e da integração de outras respostas, nomeadamente de residências partilhadas”.

Há, nesta matéria, um evidente recorte de género. “As pessoas que prestam cuidados em contexto familiar são maioritariamente mulheres”, comenta Helga Calçada, na qualidade de porta-voz da campanha, lançada em Lisboa em Abril e que é apresentada neste sábado no Porto. “Sem possibilidade de conciliar a vida pessoal com a vida laboral, muitas vezes interrompem carreira profissional e contributiva.”

Não lhe parece que basta dizer aos homens que têm de se envolver mais na prestação de cuidados. Portugal confronta-se com uma reduzida oferta de serviços formais. Exemplar afigura-se-lhe a cobertura de lares, centros de dia e apoio domiciliário, que abrange apenas 13% das necessidades. “O Estado desonera-se em várias fases da vida das pessoas”, acusa. Os serviços de prestação de cuidados estão entregues às instituições de solidariedade social, co-financiadas pelo Estado e pelas famílias. “O Estado devia responder à responsabilidade de cuidar.”

Cuidadores formais

A iniciativa legislativa cidadã preconiza outra sorte para os cuidadores formais. Entre os seus objectivos está o “reconhecimento do vínculo laboral, valorização salarial e das condições de trabalho”: o enquadramento pela lei geral do trabalho e pelo regime geral da segurança social para empregadas de serviço doméstico, ajudantes familiares, cuidadoras profissionais, amas de creche familiar.

A proposta também confere outra atenção aos cuidadores informais. Sugere o alargamento da licença parental inicial de 120 a 150 dias para 365 dias “consecutivos e intransmissíveis” e a concepção de uma “licença de cuidados remunerada, com uma duração de 30 dias por ano”. Uma e outra pagas a 100%. Sem esquecer de garantir os direitos ao “acesso ao trabalho a tempo parcial, ao horário flexível, à dispensa de prestação de trabalho em regime de adaptabilidade, de prestação de trabalho suplementar ou no período nocturno e por turnos, à semelhança do que acontece na protecção da parentalidade”.

A directiva europeia sobre a conciliação entre vida profissional e vida familiar já prevê a licença de cuidador, traduzível na “dispensa dos trabalhadores para prestarem cuidados pessoais ou apoio a um familiar, ou a uma pessoa que viva no mesmo agregado familiar que o trabalhador e que necessite de cuidados ou apoio significativos por razões médicas graves, tal como definido por cada Estado-membro”. Por ora, a lei em Portugal só garante licença remunerada para assistência a filho ou neto. Se em causa estiverem outros familiares, restam as faltas justificadas

Quanto custaria tudo isso, Helga Calçada remete para estudos futuros, convencida de que o Estado investiria menos do que no regime actual. A inspiração? “O Uruguai, que já tem um Serviço Nacional dos Cuidados.”

Este sábado, pelas 17h, este novo paradigma sobre a prestação de cuidados ocupará o centro do debate que decorrerá no auditório do ISPUP – Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, na Rua das Taipas. Na mesa estarão Andrea Peniche, representante da campanha, Henrique Barros, presidente do Conselho Nacional de Saúde, e Paula Sousa, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Saúde, Solidariedade e Segurança Social.

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