Orçamento da Cultura: para lá dos números

Após uma pandemia que expôs a posição frágil em que se encontram os trabalhadores da Cultura, é preciso, não só, um aumento real do investimento, mas também um planeamento sério, que tenha em conta as necessidades estruturais do sector.

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Teatro LUSA/CARLOS M. ALMEIDA

No passado dia 10 de Outubro foi anunciado que o Orçamento da Cultura para 2023 teria um crescimento de 23% em relação ao ano anterior. Muito se celebrou, muitas publicações partilhadas pela Internet a festejar este anúncio, mas o que realmente significa este crescimento orçamental?

Vamos lá então, fazendo uso dos números já apresentados anteriormente por este jornal. O valor total para a Cultura ficará a rondar os 760,3 milhões de euros, 140,9 milhões acima do orçamento deste ano. Para qualquer comum dos mortais, estes são valores astronómicos, ainda mais com este salto de mais de 100 milhões de euros, mas este é o valor designado a um ministério no meio de 17. Portanto, pegando novamente nos valores apresentados pelo PÚBLICO, o orçamento para a Cultura continua longe dos mínimos desejados 1%, ficando-se pelos 0,43%, se incluirmos a RTP, e os 0,29% se a excluirmos.

Se desconstruindo os números já tudo nos começa a parecer um grande truque de maquilhagem, o que dizer quando começamos a ir para lá deles e a questionar qual o peso dos mesmos na real despesa do Estado? É visível que o principal motor por detrás deste aumento é o tão famoso Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), plano esse que tem um período de execução compreendido entre 2022 e 2026. Desta forma, se o grande impulsionador deste próximo orçamento é o PRR, e este deve ser executado até 2026, temos garantias que estamos perante um investimento sustentado na Cultura, ou estarão agora a ser atirados uns doces para depois serem impiedosamente arrancados das mãos? Irá o Governo comprometer-se com esta linha de crescimento nos próximos anos?

Se isto tudo não bastasse, temos a já velha história da não aplicação da totalidade do orçamento previsto, tal como foi ainda há pouco tempo apresentado nas páginas deste jornal: no ano de 2022 não foram aplicados 133,8 milhões de euros que estavam previstos no orçamento, um número quase semelhante ao aumento previsto para 2023, o que significaria que, mesmo sendo aplicado todo o valor previsto para o próximo ano que, sejamos sinceros, não nos parece que irá acontecer, estaríamos na realidade só a cobrir o que não foi aplicado este ano e deveria ter sido.

As promessas soam-nos a isso mesmo, muito promissoras, mas a história faz-nos desconfiar. Após uma pandemia que expôs a posição frágil em que se encontram os trabalhadores da Cultura, é preciso, não só, um aumento real do investimento, mas também um planeamento sério, que tenha em conta as necessidades estruturais do sector. É necessário que se construa uma política cultural para o país, que esta seja executada e que, de ano para ano, não estejamos aqui a celebrar o que na realidade são migalhas, muitas vezes não aplicadas e promessas que não passam de uma manta de retalhos, cheia de buracos.

Na área dos estudos artísticos e culturais fala-se muito do olhar crítico, um olhar que questiona e não se deixa convencer pelo imediato que está em frente aos seus olhos. É isso que peço, que não nos deixemos ficar pelo primeiro impacto dos títulos, trabalhemos e lutemos pela construção de um sector sustentado. Portugal necessita de uma política cultural.

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