CFP vê reduções “não especificadas” de despesa e almofada nos juros

Mesmo assumindo o cenário macroeconómico do OE como bom, as contas do Conselho das Finanças Públicas divergem das do Governo em algumas rubricas importantes do OE.

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Nazaré da Costa Cabral é a presidente do CFP Daniel Rocha

Optimismo aparentemente não justificado na redução das despesas de capital e demasiado pessimismo relativamente à evolução das despesas com juros. O Conselho das Finanças Públicas (CFP) revela, na sua análise à proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2023, algumas dúvidas em relação às contas apresentadas pelo Governo e estima um défice público para o próximo ano que fica 0,2 pontos percentuais acima do previsto pelo executivo.

No relatório sobre a proposta de OE publicado esta terça-feira, a entidade liderada por Nazaré da Costa Cabral, faz as suas próprias estimativas para aquilo que considera ser o valor esperado das receitas e das despesas das Administrações Públicas, se se assumir como boas as previsões do Governo para a economia e se se levar em conta as medidas que estão inscritas no OE. É uma forma de verificar se o executivo, para lá do cenário macroeconómico que traçou, está a ser optimista ou pessimista sobre a forma como vão evoluir as contas públicas no próximo ano.

As diferenças entre os cálculos do CFP e os do Governo são significativas em algumas rubricas orçamentais importantes. A maior encontra-se nas “outras despesas de capital”. Enquanto no OE o Governo prevê que esta rubrica passe de um valor equivalente a 2% do PIB em 2022 para 1,2% em 2023, o CFP diz que, com as medidas que estão especificadas no OE, a diminuição seria para apenas 1,6% do PIB, isto é, não encontra uma poupança equivalente a 0,4% do PIB.

Quando faz as suas contas, o CFP inclui uma redução da despesa de 1600 milhões de euros decorrente da “eliminação do apoio extraordinário concedido no corrente ano às empresas para suportarem os custos acrescidos com o gás natural” e do “facto de no próximo ano não estar previsto qualquer apoio financeiro à TAP”, mas contabiliza também outras medidas incluídas no OE que conduzem a um aumento das “outras despesas de capital”. E a verdade é que, juntando tudo, o CFP fica, quando olha para os números do OE, com uma “expressiva redução remanescente de 1415 milhões de euros” que “não encontra justificação nas medidas explicitadas na proposta de OE para 2023, nem no efeito do cenário macroeconómico”. “A previsão do Ministério das Finanças sustenta mais de metade da redução prevista desta rubrica para 2023 em medidas não especificadas”, diz o CFP.

No entanto, no relatório, o conselho também encontra algumas estimativas de despesa no OE que parecem pecar por excesso de pessimismo, sendo isso mais notório na despesa com juros.

Numa fase em que, no mercado obrigacionista se assiste a uma subida das taxas de juro da dívida pública em todo o mundo, o Governo projecta um agravamento muito significativo da despesa com encargos da dívida em 2023, com este indicador a passar de 5,1 mil milhões de euros em 2022 (2,1% do PIB) para 6,3 mil milhões de euros (2,5% do PIB). Assim, depois de estar, desde 2014 a contribuir positivamente para a redução do défice, a despesa com juros irá, segundo as contas do Governo, contribuir para um aumento, de cerca de 0,4 pontos percentuais.

Neste caso, o CFP não encontra motivos para um resultado tão desfavorável, assinalando que “a repercussão do aumento das taxas de juro no custo da dívida será efectivada de forma gradual, incidindo apenas sobre a proporção de dívida a refinanciar anualmente”. Lembra ainda que, ao mesmo tempo que tem agora de se financiar a taxas de juro mais altas, o Estado português está também a deixar de pagar juros igualmente elevados de emissões mais antigas. “As obrigações do tesouro a reembolsar em 2023 apresentam uma taxa de cupão de 4,95%, um valor superior às taxas de juro de longo prazo consideradas pelo Ministério das Finanças para as novas emissões de dívida”, diz o relatório do CFP.

Sendo assim, a explicação que sobra para aquilo que o CFP classifica como “aumento expressivo dos juros previsto na proposta de OE” é a de que se está a criar uma almofada contra a ocorrência de um cenário mais negativo do que o previsto. Dito de outra forma, “o aumento da previsão de juros da proposta de OE para 2023 permite acautelar eventuais riscos desfavoráveis”.

Noutras rubricas, como as das receitas fiscais, as diferenças entre os cálculos do CFP e os números inscritos pelo Governo no OE são menos significativas. Mas, feitas as contas totais, o CFP acaba por chegar a um valor do défice público em 2023 que é 0,2 pontos percentuais mais alto do que o do OE: em vez da meta oficial de 0,9%, a estimativa do conselho é de um défice de 1,1%.

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