Human Rights Watch acusa Qatar de prender e agredir pessoas LGBT

O Qatar tem-se mostrado um “lobo com pele de cordeiro”, já que tem sido veiculada a tolerância do país perante incumprimentos de preceitos culturais locais durante o Mundial – entre os quais se inclui a homossexualidade. Mas será realmente assim? No mês passado, diz a Human Rights Watch, não foi.

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O Qatar vai receber em Novembro e Dezembro o Mundial 2022 EPA/NOUSHAD THEKKAYIL

Há dias, sobre o Mundial 2022, escrevia-se no PÚBLICO que “não foi dada qualquer garantia estatal de tolerância para com adeptos gays no Qatar”. E acrescentou-se: “Kate Barker, da LGB Alliance, organização que defende os direitos homossexuais, diz mesmo que ‘o facto de a homossexualidade ser ilegal no Qatar significa que é bastante perigoso sugerir, sem garantias firmes, que os adeptos homossexuais estarão definitivamente seguros’. Daqui a um mês saberemos.”

Quatro dias depois da publicação destas frases, podemos dizer que talvez não seja preciso esperar um mês. A Human Rights Watch (HRW), organização não governamental de defesa de direitos humanos, avançou nesta segunda-feira que as autoridades do Qatar prenderam, interrogaram e agrediram seis pessoas LGBT, que também foram alvo de abusos, tendo sido a última destas ocorrências no mês passado. A organização garante ter entrevistado seis pessoas – quatro mulheres transexuais, uma mulher bissexual e um homem gay – e “todas fizeram relatos impressionantemente semelhantes”.

Segundo a Reuters, o Qatar disse num comunicado que a acusação “contém informação que é categórica e inequivocamente falsa”. Que informação? Não se sabe ao certo, a não ser a recusa de que o país use “centros de conversão” para transexuais.

O país organizador do Mundial 2022 tem-se mostrado um “lobo com pele de cordeiro”, já que, apesar de não o fazer através de posições oficiais claras, tem sido veiculada a tolerância do Qatar perante incumprimentos durante o Mundial de preceitos culturais locais – entre os quais se inclui a homossexualidade. Mas será realmente assim? No mês passado, diz a Human Rights Watch, não foi.

Espancamentos e terapias

Segundo a HRW, as autoridades do Qatar “prenderam arbitrariamente lésbicas, gays, bissexuais e pessoas transgénero e sujeitaram-nos a maus tratos na detenção”, tendo as vítimas entrevistadas garantido que isto se passou entre 2019 e 2022, mas o último dos casos foi em Setembro.

A ONG fala de espancamentos, assédio sexual e revistas ilegais com base em detenções aleatórias justificadas pela expressão da orientação sexual. “Como requisito para a sua libertação, as forças de segurança ordenaram que as mulheres transgénero detidas participassem em sessões de terapia de conversão num centro de cuidados de saúde comportamentais patrocinado pelo Governo”, pode ler-se no site da HRW. E, diz a Reuters, este é o ponto negado pelo comunicado do Governo local, que garante que o Qatar “não licencia ou recorre a centros de conversão”.

As pessoas entrevistadas referiram ter sido detidas numa prisão subterrânea em Al Dafneh, em Doha, onde foram agredidas com pontapés e socos até sangrarem, sem poderem ter apoio jurídico ou cuidados médicos. “Uma mulher disse ter perdido a consciência e os seis disseram que a polícia os forçou a assinar promessas de que iriam cessar a actividade imoral”, pode ler-se ainda.

Uma das pessoas detidas esteve dois meses em isolamento e outra diz ter sido detida por estar a usar maquilhagem. “Deram-me toalhitas e obrigaram-me a limpar a maquilhagem da cara. Utilizaram os toalhetes usados como prova contra mim e tiraram-me uma fotografia com eles na mão. Também me raparam o cabelo”, contou, acrescentando que a condição para a libertação foi assinar uma garantia de que não usaria mais maquilhagem.

Outra mulher relatou ter sido obrigada a assistir a espancamentos. “Bateram-me até eu perder a consciência várias vezes. Um agente levou-me vendada de carro para outro lugar que parecia uma casa particular e forçou-me a ver pessoas serem espancadas como uma táctica de intimidação.”

De um lado, temos os relatos das alegadas vítimas. Do outro, a negação – ainda que vaga – por parte das autoridades qataris. Onde fica a verdade? Talvez nunca se vá saber, já que as vítimas garantiram não ter podido ficar com qualquer registo das detenções.

Mas há algo que pode ser concluído a partir deste caso: o comportamento das autoridades do Qatar está e vai estar sob vigilância apertada durante o Mundial 2022.

Rasha Younes, investigadora de direitos LGBT na Human Rights Watch, formulou até a questão com uma frase contundente. “As autoridades do Qatar precisam de acabar com a impunidade da violência contra pessoas LGBT”, contextualizou, antes de disparar: O mundo está a ver.”

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