Rui Pinto diz que inspector da Judiciária pôs a sua vida em risco

Pirata informático ataca em tribunal Rogério Bravo, inspector-chefe que já foi ilibado de abuso de poder e violação do segredo de justiça no caso Football Leaks. Diz que pôs a Doyen na sua peugada.

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Rui Pinto continua a ser ouvido em tribunal nesta segunda-feira MARIO CRUZ

O pirata informático Rui Pinto acusou esta segunda-feira em tribunal o inspector-chefe da Polícia Judiciária Rogério Bravo de ter feito um negócio de troca de informações com um dos responsáveis do fundo de investimento Doyen, ligado ao mundo do futebol, que pôs a sua vida em risco.

A proximidade do inspector-chefe em causa com Nélio Lucas, da Doyen, já foi investigada duas vezes, tendo Rogério Bravo sido sempre ilibado dos crimes de abuso de poder e violação do segredo de justiça devido à sua actuação na investigação do caso Football Leaks.

O hacker situou esse alegado negócio no final de Novembro de 2015. Segundo disse, a Judiciária estava interessada em obter o relatório técnico que a Doyen tinha pedido a uma consultora privada sobre a intrusão informática de que tinha sido alvo por parte do grupo de piratas que construíra o Football Leaks. Em troca, garante Rui Pinto, “Rogério Bravo revelou a Nélio Lucas o meu nome, colocando a minha vida em risco”.

Diz ainda o principal arguido do Football Leaks que a Doyen chegou a contratar pessoas na Hungria, onde na altura Rui Pinto morava, para chegarem até ele. Apesar disso, não mudou de residência em Budapeste e continuou a publicar documentos confidenciais sobre o fundo de investimento. “Sabia que a minha vida estava em risco, mas quis mostrar que não tinha medo deles”, explicou, admitindo porém que se agiu assim foi por infantilidade. Afinal, garantiu, a firma que a Doyen pôs atrás deles tinha ligações aos serviços secretos britânicos, via MI5.

Por outro lado, descreveu ainda Rui Pinto, afirmando que possui provas disso, a Doyen enviava para o Football Leaks mensagens com a sua identidade e também com dados pessoais dos seus pais, que ameaçava revelar se as publicações de contratos confidenciais nesta plataforma de denúncia não parassem. “Começaram a ameaçar-me. Se não parássemos esta informação seria tornada pública”. Até à altura ninguém sabia quem estava por trás do Football Leaks.

Contactado pelo PÚBLICO, o inspector-chefe recorda que todas as suspeitas que foram contra si levantadas acabaram por ser arquivadas - duas vezes pelo Ministério Público e uma por um juiz de instrução criminal. “Foi tudo esclarecido pela justiça, são situações que foram vistas e revistas”, diz Rogério Bravo.

O pirata informático admitiu pela primeira vez há uma semana ter tentado extorquir dinheiro ao fundo investimento Doyen. Em troca de um pagamento por alegada consultoria informática – chegou a reclamar entre meio milhão e um milhão, verba que mais tarde faria descer para os 125 mil euros pagos ao longo de cinco anos –, o hacker comprometeu-se a parar de divulgar online documentos confidenciais e comprometedores para o fundo de investimento. Acabou, porém, por desistir do negócio.

Embora a mera tentativa de extorsão seja punível por lei, diz o Código Penal que deixa de o ser quando quem a leva a cabo dela desiste voluntariamente. Os juízes que estão a fazer este julgamento vão ter de avaliar até que ponto esta renúncia foi realmente voluntária ou estratégica, motivada pelo medo de ser descoberto pelas autoridades.

O arguido, que reclama o estatuto de denunciante, está acusado de 90 crimes: além da tentativa de extorsão da Doyen, por ter pirateado vários sistemas informáticos, quer de clubes desportivos como o Sporting quer de entidades como a Procuradoria-Geral da República e a Federação Portuguesa Futebol.

“Só agora tenho noção que este meu comportamento podia consubstanciar extorsão”, declarou Rui Pinto em tribunal, acrescentando que nem sequer estava consciente do real significado deste “palavrão”. Afinal, alegou, só tinha o 12.º ano – embora tenha reconhecido logo a seguir que lhe faltam três cadeiras para ter uma licenciatura. “Balancei e acabei por pensar em aceitar um acordo com Nélio Lucas”, um dos principais responsáveis da Doyen. “Lamento, lamento. O comportamento que tive foi inqualificável”, admitiu o arguido. “De repente tomei consciência de que me estava a vender àquele tipo de gente e a trair os meus princípios e abortei tudo”, contou ainda, admitindo não existir “lógica nenhuma” em ter-se “metido numa coisa destas”.

Ficou entretanto a saber-se que Rui Pinto é arguido num outro inquérito com características semelhantes a este, por se ter introduzido em sistemas informáticos de outros clubes de futebol – como o Benfica e o Futebol Clube do Porto –, mas também nas caixas de correio electrónicas de advogados e magistrados.

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