Costa “perplexo” com críticas do PSD ao acordo com Espanha e França sobre interconexões

Primeiro-ministro rejeitou a tese de que Portugal saia prejudicado por esse acordo e mostrou-se confiante nas negociações com Bruxelas para financiar novo sistema de interconexões.

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António Costa saiu em contra-ataque a Paulo Rangel e ao PSD EPA/OLIVIER HOSLET

O primeiro-ministro manifestou-se esta segunda-feira perplexo com as críticas do PSD ao princípio de acordo entre Portugal, Espanha e França para as interconexões energéticas europeias e acusou o dirigente social-democrata Paulo Rangel de nada perceber do assunto.

António Costa falava aos jornalistas após ter participado num conferência sobre competências digitais, depois de questionado sobre as críticas do PSD ao acordo alcançado na quinta-feira, em Bruxelas, entre os governos de Portugal, França e Espanha para acelerar as interconexões de energia. “Estou absolutamente perplexo com o que ouvi ao longo deste fim-de-semana pelo PSD e por outras pessoas que tinham a obrigação de ser minimamente informadas sobre este acordo. O PSD não me surpreende propriamente, porque há 15 anos foi contra as energias renováveis e ainda há cinco anos era contra o hidrogénio verde e, portanto, é natural que esteja contra a existência de um corredor verde para a energia”, declarou o líder do executivo.

Perante os jornalistas, António Costa rejeitou a tese de que Portugal saia prejudicado por esse acordo, sobretudo por, alegadamente, terem sido abandonadas as interconexões eléctricas. “Pelo contrário, a França até tem a vontade de as incrementar. E, já no ano passado, entre França e Espanha, tinha sido assinado um acordo para fazer avançar as duas interconexões eléctricas”, contrapôs.

De acordo com o primeiro-ministro, não era a questão das interconexões eléctricas que bloqueava um acordo entre Portugal e Espanha com França. “O que estava a bloquear as interconexões é o que tem a ver com o gasoduto. Em Bruxelas, na quinta-feira, tratou-se do que estava por tratar”, apontou.

Já quando foi confrontado com as críticas do vice-presidente do PSD Paulo Rangel, António Costa considerou que o eurodeputado social-democrata “já habituou a ser uma pessoa que não olha a meios para dizer não importo o quê só para atacar o adversário”. “Ele não sabe nada sobre energia, ele ignora totalmente tudo o que tenha a ver com este acordo e, ao longo dos anos, caso se for rever o que já disse sobre tudo e mais alguma coisa, verificar-se-á que a taxa de reprovação de Paulo Rangel é muito elevada”, declarou.

Segundo o Governo português, o acordo permite ultrapassar definitivamente o antigo projecto, o chamado MidCat, e desenvolver um novo projecto, designado Corredor de Energia Verde, que permitirá complementar as interconexões entre Portugal e Espanha, entre Celorico da Beira e Zamora, e também fazer uma ligação entre Espanha e o resto da Europa, ligando Barcelona e Marselha, por via marítima”. Em causa, segundo António Costa, está “um gasoduto vocacionado para o hidrogénio “verde” ou outros gases renováveis e que, transitoriamente, pode ser utilizado para o transporte de gás natural até uma certa proporção”.

As interligações energéticas entre a Península Ibérica e o resto da Europa têm sido de debate desde 2009, sob a égide do ex-primeiro-ministro José Sócrates, então com o reforço entre Portugal e Espanha, tendo, em 2015, o então presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, defendido a sua execução de modo a reduzir a dependência energética em relação à Rússia.

Em Março de 2015, o sucessor de Barroso na liderança do executivo europeu Jean-Claude Juncker, reuniu-se em Madrid com o ex-Presidente francês François Hollande, o ex-primeiro-ministro espanhol Mariano Rajoy, e o então chede do Governo português Pedro Passos Coelho, para acordarem modalidades de reforço das ligações da Península Ibérica ao resto do mercado da energia da UE.

“O acordo anterior era um belíssimo acordo, mas não foi por acaso que se chegou a 2018 sem que tivesse havido qualquer passo. E de 2018 para cá também não houve avanços, depois de ter sido chumbado pelos dois regulares espanhol e francês”, referiu António Costa. Ao longo dos últimos anos, de acordo com o primeiro-ministro, o trabalho passava por reinventar o pipeline, se Portugal e Espanha queriam realmente que existisse.

Em relação ao gás, apontou que a Espanha tem sozinha “um terço da capacidade de regaseificação de toda a Europa, tendo sete terminais, enquanto Portugal tem essencialmente um, em Sines”. “Portanto, a competição nesta matéria nunca seria favorável a Portugal, Por contrapartida, no que respeita à produção de hidrogénio verde e outros gases renováveis, como Portugal começou a investir mais cedo nas energias renováveis, tem hoje melhores condições para a sua produção. Em segundo lugar, o porto de Sines continuará a ter a mesma capacidade que já tem para ser um local de desembarque de gás natural - e ainda nada é afectado”, sustentou, contrariando assim a posição do PSD.

Ainda em resposta às críticas do PSD, António Costa declarou que a questão de Barcelona “só é introduzida agora porque é o ponto mais próximo de Marselha, que, por sua vez, é o ponto onde termina a coluna vertebral da rede europeia de gás natural”. “A França aceitou que se contornasse o obstáculo dos Pirenéus e chegássemos a Marselha. Do ponto de vista de Portugal, o fundamental é chegar a Espanha e que a Espanha chegue a França. Se vai pelos Pirenéus ou se vai entre Barcelona e Marselha, isso não é decisivo para nós”, advogou.

Confiança no financiamento

O primeiro-ministro manifestou-se também confiante nas negociações de Portugal, Espanha e França com a Comissão Europeia para financiar o sistema de interconexões de energia, defendendo que se trata de um projecto de interesse comum europeu.

Interrogado sobre as dúvidas existente em relação ao financiamento do novo sistema de interconexão acordado entre Portugal, Espanha e França na passada quinta-feira, em Bruxelas, o líder do executivo referiu que vão agora ser feitos os “estudos técnicos que permitam o projecto, sendo orçamentado”.

“Os três países vão negociar com a Comissão Europeia qual a fonte de financiamento. Os três países entendem que este projecto é de interesse comum e a melhor demonstração disso é que até países como a Alemanha querem que ele se concretize, assim como o leste da Europa”, declarou.

Nesse sentido, António Costa disse esperar que “haja outra vez uma reclassificação deste sistema de interconexão como sendo de interesse comum, podendo assim ser financiado pela facilidade europeia das interconexões”. “Se não for, há outros fundos europeus alternativos, desde logo o RePower e o próprio Programa de Recuperação e Resiliência europeu. Há múltiplas formas de assegurar o financiamento”, apontou.

No caso de Portugal, segundo o líder do executivo, o troço terá cerca de 162 quilómetros, tendo um custo estimado pela REN na ordem dos 300 milhões de euros. “É isso que estamos a preparar-nos para executar. Mas, obviamente, não nos é indiferente a negociação que Espanha e França venham a fazer. Para Portugal, nesta matéria, só chegar a Espanha é logo uma enorme vantagem, porque passamos a servir e a abastecermo-nos num mercado com 60 milhões de pessoas e não apenas de 10 milhões”, apontou.

Quando a Espanha chegar por sua vez a França, então, de acordo com o primeiro-ministro, “a capacidade de Portugal cresce também”. “Naturalmente, estamos interessados nessa negociação da Espanha e França com a Comissão Europeia, tendo o financiamento necessário para a sua concretização”, acrescentou.~

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