Homens de esquerda no discurso, mas não nas atitudes: app de encontros divide feministas brasileiras

Lefty, app de encontros lançada em Setembro no Brasil, divide utilizadoras que querem escapar dos chamados “esquerdomachos”, cujas atitudes contrariam as opiniões feministas. “Eu acho que eles têm essa imagem ruim justamente por causa de uns que se aproveitam do discurso para flirtar, sendo que não praticam o que falam.”

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Homens dizem-se defensores dos direitos de minorias, mas contradizem-se nas suas atitudes. Jaouad k/Getty Images

Lançada há pouco mais de um mês, a Lefty, aplicação brasileira de relacionamentos para pessoas de esquerda, tem dividido mulheres desse lado do espectro político.

O motivo: receio em relação aos “esquerdomachos” ou “feministos”, termos utilizados pela auxiliar de farmácia Camila Vieira, 21, moradora do Grajaú, no extremo sul de São Paulo.

As expressões referem-se a homens identificados como progressistas que se dizem defensores dos direitos de minorias, especialmente das mulheres, para atrair o sexo oposto, mas que se contradizem nas suas atitudes.

Lançada pela startup Similar Souls do Brasil, a Lefty tem o intuito de “acelerar o processo e conectar pessoas que possuem ideias e valores semelhantes, como respeito à diversidade de identidade de género, raça e religião, o interesse pelas diferentes expressões de arte e cultura, a defesa da natureza, a busca do bem-estar social e dos direitos humanos”, como explica, em nota, a plataforma.

Disponível para aparelhos Android, a app tem conta com mais de de 10 mil downloads.

Segundo a psicóloga Larissa Queiroz, que escreve no blogue feminista Não Me Kahlo, “os ‘esquerdomachos’ são bem versáteis, falam sobre arte, política, filosofia, relações não-monogâmicas, futebol e feminismo – daí o ‘feministo’. Eles defendem coisas que se parecem muito com as coisas que você defende”.

“Até aí, tudo bem. Mas e quando o tipo é tudo isso e é, também, extremamente abusivo?”, questiona. “Vocês vão sair e ele vai elogiar você, mas vai dar a opinião dele também, sem você pedir, mas vai. E quando você tentar contrapor, ele vai dizer que você não entendeu o que ele disse, até porque ele é um feminista”, diz Queiroz.

“Ele vai olhar a notificação do seu telemóvel, ele vai perguntar quem foi o tipo de quem curtiste a foto. Ele vai-se incomodar porque o seu amigo gay beijou outro cara na festa. Vai dizer que foi para chamar atenção, mas que não tem nada contra, ele até tem amigos que são gays. São várias contradições”, completa a profissional.

Camila Vieira assume-se uma mulher de esquerda. “Tão de esquerda quanto feminista”, ressalva. Desde meados de 2020, utiliza o Tinder, a mais conhecida aplicação de encontros, com uma pequena pausa para viver um relacionamento que acabou no início deste ano.

Para ela, sair com alguém com pensamentos próximos ao seu é mais confortável, mas não um requisito. O seu único medo é deparar-se com o tal esquerdomacho.

“Eu acho até bom que apoiem certas causas benéficas para as mulheres, mas, ao mesmo tempo, são muito chatos. Eles querem saber mais que nós, que passamos por situações de desconforto diariamente. Isso continua sendo um pouco machista”, declara a assistente de farmácia.

Camila viu o anúncio de lançamento da plataforma Lefty, mas só o pensamento de ter que lidar com homens como os que descreveu fê-la passar longe da loja de aplicações do seu telemóvel.

A funcionária pública Barbara Luna, 30, moradora do centro de São Paulo, também é uma utilizadora assídua de apps de namoro. Durante muito tempo, ela, assim como Camila, utilizou o Tinder, plataforma que considera hostil.

“Tinha muita agressividade na hora de flirtar, muitos tipos agressivos no sentido de não quererem meninas assim ou assado, às vezes até ofendendo. E, na hora do flirt, uma agressividade no sentido de partir para assuntos sexuais sem perceber se havia espaço para isso”, declara.

Actualmente, Barbara, que declara ser de esquerda, utiliza o Bumble, plataforma em que o utilizador pode personalizar as suas preferências por espectro político. Ela afirma que os homens de esquerda costumam ser mais respeitosos, mas está atenta também pela má fama deles.

“Eu acho que eles têm essa imagem ruim justamente por causa de uns que se aproveitarem do discurso para flirtar, sendo que não praticam o que falam. Então há sempre uma desconfiança de ‘o discurso está bonito, mas vamos ver se a atitude é isso mesmo’. Fico atenta”, diz.

Apesar disso, Barbara afirma que o conceito da Lefty a agrada e vai testar a app.

A administradora Gabriela de Paula, 20, moradora de Guarulhos, na Grande São Paulo, diz que, “embora tenha toda essa questão dos ditos ‘esquerdomachos’ serem meio estranhos ou agirem por certa conveniência, eles ainda são mais suportáveis que muito homem de direita”.

Gabriela, que se diz progressista, utiliza plataformas de encontro há mais de um ano e afirma só sair com homens que se posicionem à esquerda. Assim que soube da existência da Lefty, ela, como Barbara, ficou interessada em instalar e conhecer.

“Até porque com eles [homens de esquerda] a gente já sabe o que esperar devido ao estereótipo. Diferente de homens de direita, que na maioria das vezes são totalmente imprevisíveis”, afirma Gabriela.

O problema, para ela, está na superficialidade que acompanha alguns homens progressistas, mas alerta que nem todos seguem o arquétipo.

“No geral, os ‘esquerdomachos’ acham-se mais cultos e mais evoluídos, quando ainda continuam com preceitos machistas. Eles passam por desconstruídos, mas o conhecimento que procuram acaba sendo selectivo e as pautas que defendem são por conveniência. Não são todos, mas eles estão por aí e não são poucos”, declara a jovem.

Ferramentas como a Lefty, que buscam unir pessoas de um mesmo nicho, têm-se tornado cada vez mais populares no país. Em 2019, foi lançado o PTinder, página também voltada para a esquerda. Já na última sexta-feira (14), o Denga, primeira aplicação de relacionamentos para pessoas negras desenvolvido no Brasil, foi para o ar.


Exclusivo PÚBLICO/Folha de S. Paulo

Nota do editor: o PÚBLICO respeitou a composição do texto original, com excepção de algumas palavras ou expressões não usadas em português de Portugal.

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