Os mistérios que rodeiam Matusalém, talvez a árvore mais antiga do planeta

Aquela que poderá ser a árvore mais antiga do mundo chama-se Matusalém. Está escondida algures num condado da Califórnia, nos Estados Unidos. Até mesmo fotos deste espécime são raras. Esconder a sua localização é uma estratégia de conservação.

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Esta não é a Matusalém: a Internet está repleta de fotos de pinheiros velhos e retorcidos que são, erroneamente, apresentados como a famosa árvore Paul/Pixabay

Aquela que poderá ser a árvore mais antiga do mundo está escondida algures num percurso de 72 quilómetros da Floresta Nacional de Inyo, na Califórnia, nos Estados Unidos (EUA). Trata-se de um tipo de pinheiro de tronco retorcido, com milhares de anos, baptizado de Matusalém (devido à longevidade do vegetal). Até mesmo fotos deste espécime são raras – a Internet está repleta de fotos de pinheiros velhos e retorcidos que são, erroneamente, apresentados como Matusalém.

“Não divulgamos a localização exacta nem fornecemos imagens da árvore Matusalém para mantê-la protegida”, diz Becky Hutto, coordenadora ​​do centro de visitantes da Floresta Nacional de Inyo. [O nome Matusalém é uma referência à personagem bíblica que teria vivido 969 anos.]

Mais de meio século de boca-a-boca, amplificado nos últimos anos pela Internet, corroeu o segredo da localização de Matusalém nas serras. No entanto, a incerteza persiste, mesmo entre alguns especialistas.

“Tenho uma vaga ideia de qual árvore é Matusalém, mas não tenho certeza”, afirma Peter Brown, fundador da Rocky Mountain Tree-Ring Research, entidade que mantém um banco de dados das árvores mais antigas do mundo.

Alimentar o mistério em torno deste exemplar da espécie Pinus longaeva tornou-se essencial para manter os turistas muito entusiasmados longe não só de Matusalém, mas também de outras árvores semelhantes. Infelizmente, os visitantes não são a única ameaça – a pior seca hidrológica da costa Oeste em mais de 1200 anos matou várias árvores semelhantes perto de Matusalém, ao passo em que os escaravelhos ameaçam outros espécimes antigos.

Essas árvores já sobreviveram a períodos quentes e secos no passado, disse Constance Millar, cientista emérita do Serviço Florestal dos EUA. Mas a especialista teme que a mudança climática induzida pela mão humana possa criar uma “tempestade perfeita” de ameaças à espécie Pinus longaeva com calor extremo, a seca e o aumento do risco de incêndios florestais.

Opinião semelhante tem Matthew Salzer, cientista do Laboratório de Investigação de Anéis de Árvores, na Universidade do Arizona, em Tucson. “As condições actuais para algumas árvores são piores do que nunca”, disse. “Acredito que a espécie como um todo persistirá em locais mais favoráveis, mas infelizmente muitos indivíduos muito velhos podem sucumbir”.

A idade de uma árvore é comummente determinada pela colecta de amostras do núcleo com ferramentas de perfuração. Estas removem um pedaço do tronco com o diâmetro de um lápis, que posteriormente os cientistas podem usar para contar os anéis da árvore.

Em 1957, depois de colectar os testemunhos iniciais de Matusalém, Edmund Schulman, então cientista do laboratório em Tucson, estimou que o tal pinheiro retorcido tinha mais de 4600 anos. Schulman também descobriu que pinheiros desta espécie relativamente pequenos – a maioria dos que Schulman estudou tinha apenas entre três e nove metros de altura – eram mais velhos do que as sequóias gigantes, que anteriormente eram consideradas as árvores mais longevas.

Reprodução da capa da edição da revista National Geographic de Março de 1958, na qual foram partilhados dados e imagens da árvore chamada Matusalém National Geographic/DR
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Reprodução da capa da edição da revista National Geographic de Março de 1958, na qual foram partilhados dados e imagens da árvore chamada Matusalém National Geographic/DR

Schulman anunciou a existência de Matusalém e compartilhou uma foto da árvore na National Geographic em Março de 1958, despertando a curiosidade de outras pessoas. Mais tarde, o Serviço Florestal deixou de divulgar a localização da árvore para a proteger de quem quisesse levar uma pinha ou outra lembrança da árvore milenar.

Salzer recentemente reexaminou os núcleos de Matusalém recolhidos por Schulman e obteve uma contagem próxima a 4600 anos, embora alguns anéis fossem difíceis de registar. Alegadamente, um núcleo de Matusalém com mais anéis visíveis foi encontrado mais tarde no arquivo do laboratório, mas Salzer e colegas não conseguiram localizá-lo. Isso levou à confusão sobre a idade de Matusalém. A Wikipédia e outros sites ou publicações listam a árvore como tendo 4854 anos, mas a base para essa idade é o núcleo “perdido”, que nunca foi documentado cientificamente.

Lendas sobre árvores antigas

Em todo o mundo, existem lendas que envolvem árvores mais velhas do que Matusalém, incluindo a Sarv-e Abarkuh, no Irão, e o teixo (Taxus baccata) de Llangernyw, no País de Gales, ambas com uma existência entre 4000 e 5000 anos. As estimativas são baseadas sobretudo no folclore local, não tendo sido validadas.

Depois, há árvores clonais, ou seja, espécimes geneticamente idênticos que compartilham um mesmo sistema radicular (ou seja, de raízes). É o caso da Tjikko da Suécia, assim do Pando, um gigantesco bosque de álamos no estado do Utah, nos Estados Unidos. Embora essas árvores tenham sistemas radiculares mais velhos do que as árvores mais antigas, as árvores propriamente ditas são clones, sendo na maior parte das vezes muito mais jovens do que Matusalém.

Há ainda relatos mais palpáveis de exemplares da espécie Pinus longaeva mais velhos do que Matusalém. Em 1964, um pinheiro chamado Prometeu foi cortado por um estudante de geografia em Wheeler Peak, no Nevada, EUA. Depois, descobriu-se que a planta tinha quase 5000 anos.

No arquivo do Laboratório de Investigação de Anéis de Árvore, havia ainda uma amostra central de uma árvore sem nome colectada por Schulman na década de 1950. Anos mais tarde, descobriu-se que tinha mais de 4800 anos.

Tom Harlan, um dendrocronologista que trabalhou com Schulman, descobriu a amostra, mas nunca revelou a localização da árvore. Harlan faleceu em 2013. Mas Salzer e um colega recentemente usaram apontamentos antigos para descobrir o que acreditam ser a tal árvore, embora ainda não tenham conseguido determinar a idade. Tal como acontece com Matusalém, as coordenadas geográficas da árvore são mantidas em segredo.

Nova concorrente no Chile

Um novo concorrente para o recorde de longevidade de Matusalém surgiu no Chile. Os cientistas estimam que um famoso cipreste-da-patagónia, chamado carinhosamente de “o bisavô(Fitzroya cupressoides), tenha cerca de 5400 anos.

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Conhecida como “o bisavô”, esta árvore chilena pode ter mais de cinco mil anos, de acordo com a datação dos investigadores Jonathan Barichivich/Reuters

Como a árvore tem mais de 3,65 metros de diâmetro, os investigadores obtiveram apenas uma amostra parcial do núcleo. Ainda assim, conseguiram determinar que a árvore tem pelo menos 2400 anos com base na contagem dos anéis. Usaram também informações de anéis de árvores semelhantes para criar um modelo computacional que aponta para outros 3000 anos de existência, fora os que haviam sido contados anteriormente.

Os dados sobre a árvore chilena ainda não foram publicados, o que leva os especialistas a serem muito cautelosos quanto ao uso do epíteto “a árvore mais antiga do mundo”.

Peter Brown afirmou que é necessária a publicação de um estudo revisto por pares. Está céptico em relação ao facto de o modelo poder explicar com precisão as variáveis ​​envolvidas. “Há mais detalhes que precisamos de confirmar antes de dizer que esta pode ser a árvore mais antiga do mundo”, disse.

O registo de anéis de árvores contido em espécimes de Pinus longaeva antigos ajudou não só os cientistas a refinar a datação por carbono, mas também fornece um importante olhar para a história do clima da Terra. As árvores também podem oferecer informações sobre o processo de envelhecimento.

David Neale, professor emérito e especialista em genética florestal da Universidade da Califórnia, em Davis, nos Estados Unidos, lidera uma equipa que está a sequenciar o genoma de um espécime Pinus longaeva com mais de 2000 anos. O grupo espera testar a hipótese de que a árvore viveria para sempre, caso não fosse cortada ou morta por pragas.

“Estamos à procura da Fonte da Juventude desde o início dos tempos, por isso qualquer conhecimento biológico básico da longevidade, seja de um humano, um ratinho ou um pinheiro Pinus longaeva, pode ser instrutivo”, disse ele.

A preservação ambiental também está a inspirar investigações científicas sobre o bisavô. Jonathan Barichivich, cientista ambiental do Laboratório de Ciências Climáticas e Ambientais de Paris, na França, está a liderar a investigação sobre o cipreste-da-patagónia milenar. Ele disse que planeia publicar um artigo, no próximo ano, juntamente com o colaborador, Antonio Lara, da Universidade Austral, no Chile.

No entanto, Barichivich está mais preocupado em preservar a árvore do que provar que ela é mais velha do que Matusalém. Se é “a árvore mais antiga do mundo, ou se será a segunda ou a terceira, não importa para mim. É uma das árvores mais antigas do mundo e isso basta para protegê-la”, disse.

Há urgência nesses esforços de conservação, uma vez que a zona onde está “o bisavô” é um destino turístico popular há muito tempo. Visitantes que caminhavam ao redor da árvore nos últimos anos danificaram as raízes. “A árvore está num estado muito, muito ruim”, disse Barichivich. “É como um leão numa jaula de um zoológico.”

A preocupação de Barichivich com a saúde da árvore é parte do que torna difícil determinar a idade sem modelos. Embora as ferramentas existentes sejam muito pequenas para chegar ao centro de uma árvore do tamanho de “o bisavô, é possível fabricar sob medida um instrumento mais longo e potente. Mas Barichivich, que é chileno, tem receio de danificar o espécime e rejeita a hipótese.

O avô de Barichivich descobriu a árvore na década de 1970. Os avós, mãe e tio trabalhavam no parque onde ela vive hoje. Barichivich vê-se a si próprio como um protector da árvore, um guardião de terceira geração. Identifica-se ainda com o povo indígena mapuche e o conceito de “espírito da floresta”.

“A árvore está a desistir de algo, não quero ir lá e desrespeitar a árvore”, disse Barichivich. “Há uma parte espiritual. Não é apenas pura ciência racional.”

Histórias sobrenaturais também gravitam à volta da espécie Pinus longaeva. Relatos de uma maldição começaram a circular após vários investigadores que se debruçavam sobre esta espécie, incluindo Schulman, morreram jovens. Schulman teve um acidente vascular cerebral e faleceu aos 49 anos.

Salzer é céptico em relação a essas narrativas, mas reconheceu uma vantagem pragmática: “Do ponto de vista da conservação, é útil poder dizer: ‘Não te metas com estas árvores ou serás amaldiçoado.’

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

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