Provedora de Justiça contraria Governo: é possível uma base sobre metadados para investigação criminal

Deputados ouviram Maria Lúcia Amaral sobre uma solução para o problema da constitucionalidade da conservação de metadados.

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Foi a provedora da Justiça, Maria Lúcia Amaral, quem pediu a fiscalização da lei dos metadados ao Tribunal Constitucional, que lhe deu razão três anos depois LUSA/TIAGO PETINGA

A provedora de Justiça considera perfeitamente possível a criação (novamente) de uma base de dados para conservar metadados das comunicações dos cidadãos, mas desde que isso seja feito com alguma parcimónia. Ou seja, que não armazene os dados durante tanto tempo como acontecia até aqui (por doze meses) e de forma indiscriminada sobre todos os cidadãos.

Na audição desta quarta-feira de manhã na Comissão de Assuntos Constitucionais sobre o processo legislativo da nova lei dos metadados, Maria Lúcia Amaral contrariou o entendimento do Governo, que, na sua proposta de lei, dizia não ser possível que “a lei determine a conservação de dados com o único intuito de investigar, detectar e reprimir a comissão de crimes” e, por isso, propôs como solução o recurso aos dados já hoje conservados pelas operadoras, durante seis meses, para efeitos de facturação.

“Não é verdade que seja impossível constituir uma base de dados só para investigação criminal. Não me parece que esbarremos sempre nos artigos 7.º e 8.º da Carta dos Direitos Fundamentais [sobre respeito pela vida privada e familiar e sobre protecção de dados pessoais] porque isso não seria razoável. O Tribunal de Justiça da União Europeia não disse que não pode haver base de dados específica; apenas disse que era demais” a abrangência temporal e de cidadãos, salientou a provedora.

Ora, Maria Lúcia Amaral considera que a opção do Governo é que pode trazer problemas perante o Tribunal Constitucional, já que se trata de usar uma base de dados criada com fins comerciais para fins judiciais. E esse argumento de antecipar um novo chumbo do TC não é de somenos, uma vez que o Presidente da República já avisou que irá mesmo enviar o novo diploma aos juízes para fiscalização preventiva.

Maria Lúcia Amaral, que foi quem preveniu o Governo para a necessidade de mudar a lei já em 2019 e depois (perante a inacção do executivo) recorreu ao Tribunal Constitucional, admitiu ter “perfeita consciência da importância do trabalho” mas também das dificuldades do Parlamento neste processo legislativo, já que, avisou, “a solução não é fácil de encontrar”.

Mas também aqui deixou um alerta aos deputados: insistiu várias vezes na ideia de que se “deve ouvir” o que os outros países estão a discutir para ultrapassar o mesmo problema levantado pelo Tribunal de Justiça Europeu quando invalidou, em 2015, a directiva europeia que Portugal transpôs em 2008 com a lei dos metadados. “Devemos aprender com os outros”, vincou, acrescentando que “o problema é tão complexo e transnacional que a busca da solução se deve fazer no espaço jurídico europeu”.

Logo no início da audição, a provedora fez questão de realçar que “não há Estado de direito sem autoridades de investigação dotadas de meios eficazes para eficazmente prevenir o cometimento de crimes e eficazmente os punir”, nem “há ordem e liberdade sem segurança”.

Para logo a seguir defender que as autoridades “devem ser dotadas de meios para garantir a paz e ordem públicas”, porém, “isso não significa que lhes caiba poder fazer tudo em nome da criminalidade que perseguem”. É preciso “encontrar o equilíbrio tandem entre liberdade e segurança” porque há “meios de investigação potentíssimos que também são de invasão da liberdade” pessoal.

E também salientou que “o Tribunal Europeu diz que se podem usar estes potentes meios tecnológicos para a investigação criminal, mas não pode ser a conservação de dados entre seis meses e dois anos. Isso é demais, assim como a conservação generalizada e indiferenciada, sem critérios de selecção, pondo toda a população sob vigilância. Isso, sim, é desproporcionado”.

Maria Lúcia Amaral deixou as balizas para os deputados: “Não pode ser um método corrente para todo o tipo de crime mas apenas para os graves; o armazenamento tem de ser moderado (sem haver conservação generalizada e indiferenciada); e haver cuidado com o prazo [que se recusou a especificar] e com questões de segurança do armazenamento.”

O Tribunal Constitucional declarou inconstitucionais as normas que previam a conservação generalizada dos metadados (informações sobre tráfego e localização das telecomunicações e dados conexos) de todos os cidadãos, e, por ausência, o facto de não se prever o armazenamento num país da União Europeia e de não ser obrigatória a notificação dos cidadãos cujos dados fossem disponibilizados às polícias.

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