China recruta ex-pilotos da Força Aérea britânica para treinar o seu exército

Ministério da Defesa britânico assume que este aliciamento é uma “ameaça aos interesses do Reino Unido e do Ocidente” e diz que faz parte da estratégia chinesa para aceder a informação confidencial da RAF. Promete, por isso, rever a legislação para limitar estes casos.

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James Heappey, secretário de Estado das Forças Armadas, diz que “trabalhar para uma potência estrangeira que desafia tão profundamente os interesses do Reino Unido” não “coincide” com o seu “entendimento sobre aquilo que é o serviço à nação” Reuters/TOBY MELVILLE

Os serviços de espionagem do Ministério da Defesa do Reino Unido assumiram esta terça-feira que pelo menos 30 antigos pilotos da Royal Air Force (RAF) – a Força Aérea britânica – foram recrutados pelo Exército de Libertação do Povo chinês (ELP) e estão, neste momento, a dar formação a pilotos e soldados da República Popular da China.

O ministério revelou ainda que vários efectivos da RAF também já foram aliciados com propostas “lucrativas” e “generosas” vindas de Pequim, mas garantiu que nenhum membro actual das Forças Armadas britânicas as aceitou.

Argumentando que o recrutamento chinês de ex-pilotos britânicos consubstancia uma “ameaça aos interesses do Reino Unido e do Ocidente”, que, para além de beneficiar um “competidor” estratégico, pode dar-lhe acesso a informação confidencial sobre a capacidade operativa da RAF e de outros ramos das Forças Armadas do país, o Ministério da Defesa promete mudar a lei para limitar estes casos.

“Estamos a tomar medidas importantes para acabarmos com os esquemas chineses de recrutamento que procuram atrair actuais e antigos pilotos das Forças Armadas do Reino Unido para formarem pessoal do ELP na República Popular da China”, afirmou um porta-voz do ministério, citado pela BBC.

O Governo britânico diz que está a “rever” os termos dos “contratos de confidencialidade” e de outro tipo de cláusulas jurídicas relacionadas com o dever dos antigos soldados de protegerem informação confidencial interna e acrescenta que “a nova Lei da Segurança Nacional vai criar ferramentas adicionais para lidar com os desafios securitários contemporâneos, como este”.

Apesar de admitir que não há, até ao momento, provas de que qualquer um dos ex-pilotos identificados como estando a colaborar com o ELP tenha violado a Lei de Segredos Oficiais, James Heappey, secretário de Estado das Forças Armadas, informou que todos eles foram contactados e compelidos a cessarem as suas actuais funções.

E também revelou que outra das alterações legislativas pensadas para travar o fenómeno pode passar por definir como prática criminosa a continuação deste tipo de actividades após um aviso formal de Londres.

“Abordámos as pessoas envolvidas e fomos claros com elas de que a nossa expectativa é a de que não continuem a fazer parte daquela organização [ELP]”, disse Heappey à Sky News.

“A China é um competidor que está a ameaçar os interesses do Reino Unido em muitos lugares do mundo. É também um importante parceiro comercial, mas as suas tentativas de obter acesso aos nossos segredos são conhecidas, pelo que o recrutamento dos nossos pilotos para aprenderem mais sobre as capacidades da nossa Força Área são uma fonte de preocupação para nós e para a divisão de espionagem do Ministério da Defesa”, acrescentou.

Noutras declarações, à BBC e à LBC, Heappey insistiu que “trabalhar para uma potência estrangeira e, particularmente, para uma que desafia tão profundamente os interesses do Reino Unido” não “coincide” com o seu “entendimento sobre aquilo que é o serviço à nação, mesmo na reforma”.

“Caça-talentos”

A notícia sobre os cerca de 30 antigos pilotos da RAF recrutados pelo ELP foi avançada esta terça-feira pela BBC, citando fontes do Exército britânico e “militares ocidentais” que dão pormenores sobre o fenómeno, identificado pela primeira vez pelos serviços secretos em 2019.

Segundo estas fontes, parte do processo de recrutamento chinês tem sido feito através de “caça-talentos intermediários”, como uma academia específica de formação de pilotos na África do Sul.

Procuram “pilotos com grande experiência”, na casa dos 50 anos de idade, habituados a operar com “caças e helicópteros” dos modelos Typhoon, Jaguar, Harrier e Tornado, para que ajudem a “desenvolver tácticas e capacidades militares da Força Aérea chinesa” e auxiliem “o ELP a compreender melhor a forma como os aviões e os pilotos ocidentais operam”.

Em troca, refere um “militar ocidental”, os pilotos recebem quantias avultadas, as mais elevadas na ordem dos 270 mil dólares (mais de 274 mil euros).

Até ao momento, os casos de antigos pilotos recrutados pelo Exército chinês eram tratados individualmente. Mas o “aumento significativo” das tentativas de aliciamento pós-pandemia forçou a chefia das Forças Armadas e o Governo britânico a assumirem que têm de tratar esta nova realidade como um fenómeno enquadrado nos “novos desafios de segurança global”.

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