A morte dos professores

Falhámos por omissão e conivência. O resultado? Uma classe desmotivada, revoltada e humilhada.

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Daniel Rocha

Ensino faz-se, acredito, por vocação. Há no professor a génese da sociedade livre, por meio da Educação, que nos liberta da sombra da ignorância, como diria Platão. Negar a sua importância é retirar-lhe a dignidade no exercício da sua profissão, dentro e fora de aula, culminando com a escalada do desrespeito, da desautorização e da negação da sua presença como mais alta figura dentro da academia. Passámos de questionar a conduta do discente para questionar a razão do docente. Permitimos que a trave mestra da nossa sociedade fosse remunerada muito abaixo do seu real esforço, exigência e técnica. Falhámos por omissão e conivência. O resultado? Uma classe desmotivada, revoltada e humilhada.

A falta de professores nas escolas e o envelhecimento do corpo docente espelham a crise profunda e instalada cuja agudização se tem feito sentir de forma particular na última década. Os baixos salários, a progressão na carreira ou o regime de colocação são apontados como factores preponderantes na hora de encontrar culpados pelo crescente desinteresse pela profissão e pelo aumento dos pedidos de reforma antecipada. Versamos muito em torno da questão financeira, da instabilidade e, sendo certo que constituem factores explanatórios da crise na Educação, torna-se manifestamente insuficiente e superficial analisar o problema apenas por este prisma porquanto todos estes pontos mais não são que derivações de uma ferida mais profunda e, quiçá, mais difícil de tratar: a desvalorização social da classe.

Tornámo-nos cegos ao sofrimento de milhares de profissionais que, diariamente, são rebaixados no exercício da sua actividade. Normalizámos os esgotamentos, ou, como agora é gíria, o burnout. Banalizámos a violência das famílias que irrompem escola dentro. Demitimo-nos de dar às nossas crianças a educação que deveria vir de casa na expectativa que, à Educação que deveria ser função da escola, se somem os valores e princípios que não trazem de berço.

No fundo, e por mais voltas que possamos dar, o cerne da questão é sempre a educação. É por ela que devemos pugnar mas é pela sua ausência que não a sabemos estimar e valorizar. O incontornável paradoxo que se alimenta de si próprio e que culmina na indiferença do próprio Estado, cujas medidas pontuais travestidas de solução milagrosa, que se limitam a mitigar o caos que se vive a cada recomeço de ano lectivo, mais não são do que veneno que queima o caule e deixa a raiz. Um Estado que, revestido da sua superioridade, garante conferido por uma maioria absoluta, se permite descartar de responsabilidades. Claro está que não seria honesto culpabilizar uma única cor política por um problema estrutural e instalado há anos. Mas, e na mesma medida, não é honesto reproduzir incessantemente a narrativa de que está a ser feito o possível e que estamos melhor hoje do que há dez anos. Não só não estamos estatisticamente como retrocedemos socialmente naquilo que é, ou deveria ser, o papel do Professor.

Não existem soluções milagrosas. Este é um trabalho cuja fundição terá forçosamente de assentar num consenso alargado. Ainda assim, cabe a cada um de nós contribuir para a mudança de paradigma, por meio do inconformismo, da educação e da luta por uma classe que é a base de todas as profissões. Porque, não tenhamos dúvidas, a qualidade técnico-profissional do nosso colectivo futuro dependerá da forma como decidirmos tratar aqueles que nos formam.

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