Com funções esvaziadas, juiz Carlos Alexandre concorre para a Relação

Durante mais de uma década o magistrado do Tribunal Central de Instrução Criminal resistiu a subir à segunda instância. Candidata-se pela primeira vez e se ficar numa das 60 vagas, o que é previsível, será promovido em Setembro do próximo ano.

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Carlos Alexandre tratou dos casos mais mediáticos da justiça portuguesa enquanto estava à frente do Ticão LUSA/JOÃO RELVAS

O juiz Carlos Alexandre, que está colocado há mais de década e meia no Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), onde desaguam os processos de maior complexidade no país, apresentou esta quinta-feira a sua candidatura ao concurso de acesso aos tribunais da Relação.

Se ficar numa das 60 vagas existentes, o que é previsível face ao seu currículo, deixará o Ticão, como é conhecido o TCIC, no Verão do próximo ano, tomando posse numa das cinco Relações do país em Setembro de 2023.

A candidatura ocorre num momento em que a fusão do Tribunal de Instrução Criminal (TIC) de Lisboa com o TCIC, em Janeiro passado, e o regime de impedimentos que entrou em vigor em Março (e foi novamente alterado em Agosto, mas que para alguns deve ser aplicado a todos os casos entrados nos tribunais antes dessa data), esvaziaram as suas funções.

A informação foi avançada pela revista Visão e foi confirmada ao PÚBLICO pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM). Apesar de formalmente o concurso ter sido aberto esta quarta-feira, com a publicação do aviso no Diário da República, a plataforma informática que permitia apresentar as candidaturas só está disponível desde as 0h00 desta quinta-feira, adiantou ao PÚBLICO fonte oficial do CSM.

Com 61 anos de idade, 37 dos quais na magistratura, Carlos Alexandre resistiu mais de uma década a concorrer à Relação, tendo, em 2010, sido obrigado a renunciar expressamente à promoção já que a evolução era automática. Quando o acesso começou a ser feito através de concurso curricular, optou por nunca concorrer. Até esta quinta-feira.

Muitos acreditavam que não queria subir à Relação porque perderia o poder proporcionado pelas funções de juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal, onde chegou a ser o único magistrado, o que lhe valeu o atributo de “superjuiz”. Carlos Alexandre dava outra justificação: o cargo permitia-lhe acumular funções e fazer turnos aos fins-de-semana, principalmente no TIC de Lisboa, o que lhe permitia ganhar mais do que como juiz desembargador.

Facto é que grande parte dos processos mediáticos do país lhe passaram pelas mãos, tendo mandado prender preventivamente o ex-primeiro-ministro José Sócrates, decretado prisão domiciliária para o antigo banqueiro Ricardo Salgado e para o ex-ministro Manuel Pinho. Aplicou várias cauções de milhões de euros e suspendeu de funções gestores poderosos, como o então presidente da EDP, António Mexia.

A investigação do Portucale, da Operação Furacão, do Freeport, do Monte Branco, do caso dos submarinos, da Operação Marquês e vários casos do universo Espírito Santo foram acompanhados por Carlos Alexandre enquanto juiz de instrução.

Mas esse tempo dificilmente se repetirá com a fusão do TIC de Lisboa, em Janeiro deste ano, que dissolveu os casos sensíveis por nove juízos. Nessa altura, havia apenas dois magistrados no TCIC, Carlos Alexandre e Ivo Rosa, com visões muito diferentes do papel de um juiz de instrução.

A mudança trouxe a pequena e média criminalidade às mãos de magistrados que deviam ser especializados na análise da criminalidade complexa e organizada - a ideia que esteve na base da criação do Ticão em 1999.

Lei dos impedimentos

A complicar ainda mais a vida dos juízes mais antigos do Ticão ou do TIC de Lisboa, um grupo que inclui Carlos Alexandre, esteve o novo regime de impedimentos previsto no Código de Processo Penal (CPP), que entrou em vigor em Março passado e que alargou de forma significativa as situações em que um magistrado judicial que interveio durante um inquérito fica impossibilitado de tomar decisões mais tarde no mesmo processo.

Este regime, que ameaçava provocar o caos nos tribunais, acabou por ser revogado em Agosto. Mas, no TCIC, estabeleceu-se uma prática assente na convicção de que essa regra ainda se aplicava a todos os processos entrados até 2 de Agosto, porque era mais favorável ao arguido. A distribuição dos processos em instrução, uma fase em que se decide se uma acusação segue ou não para julgamento, passou a ser feita apenas entre os juízes que nunca tinham tido intervenção naquele caso.

Ora como Carlos Alexandre interveio na esmagadora maioria dos inquéritos do TCIC - como titular do caso, como juiz de turno ou como substituto - tal quer dizer o magistrado ficou impedido de realizar a maior parte das instruções. Por outro lado, passou a ter de acompanhar processos envolvendo crimes menos complexos, como injúrias, furtos e casos de violência doméstica.

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