Apagar velas mata marinheiros

A quem tema que os migrantes nos tirem empregos, não tiram. Segundo o Banco Mundial, a integração de requerentes de asilo e refugiados, depois da primeira fase de choque, estimula a empregabilidade e faz prosperar um país.

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Reuters/JUAN MEDINA

No dia 6 de Outubro, a Europa assistiu a mais uma tragédia à sua porta. Eu soube, através da rádio, das 20 mulheres e crianças de origem não revelada que naufragaram e morreram no mar Egeu.

Morreram porque a Europa não se entende sobre qual porta abrir. A Itália, a Grécia e a Turquia fecharam as portas. E o mar não perdoou. As mulheres e crianças não tiveram terra onde pertencer. Não foram sepultadas na sua terra. Foram sepultadas no mar.

Em vez de condenar as políticas e lógica de controlo fronteiriço, condenamos pais e jovens que embarcam em viagens tortuosas, fundadas em esperança e confiadas a um Deus que podia ser o nosso.

Como europeia, defendo que a Europa deve abandonar a lógica de controlo de fronteiras xenófoba e colonial que liga a migração ao crime. Deve abandonar o permanente estado de vigília como se vivesse em constante ameaça do “outro”, e perceber que está, primeiramente, a ameaçar-se a si mesma.

As políticas de recepção de migrantes são justificadas com argumentos baseados no medo. O medo é uma arma eficaz para mover e polarizar opiniões. A nós, cidadãos europeus, cabe-nos não nos deixarmos levar pelo medo.

A quem tema que sejam muitos os que vêm, não são. A Europa acolhe respectivamente 13% e 21,5% dos refugiados e requerentes de asilo do mundo inteiro. Em Portugal, o número de indivíduos que requerem asilo é muito menor do que o número de portugueses que saem do país procurando um futuro melhor. O que pode dar a ideia de serem muitos são as lufadas em que vêm, e o medo de que se abra caminho para mais migrantes pobres ou até terroristas. Optam os terroristas por um processo moroso de escrutínio? Está provado que não.

A quem tema que nos tirem empregos, não tiram. Segundo o Banco Mundial, a integração de requerentes de asilo e refugiados, depois da primeira fase de choque, estimula a empregabilidade e faz prosperar um país. Na História nenhum império ou grande nação se formou isolando-se de populações migrantes. Foi, sim, através da migração e das relações e trocas que dela resultaram. Vemos glória nos nossos filhos e netos que emigram para encontrar um trabalho ou remunerações melhores. Glória ao apoio que nos dão depois de terem ido. Também podemos honrar a educação que os migrantes têm e perceber que não são uns trastes, são indivíduos com um passado digno, e muito por oferecer.

A quem ache que se devam enviar migrantes para países terceiros, por favor reconsidere. A democracia e o respeito pelos direitos humanos, a condição de liberdade individual, de circulação, e de decisão estão em risco. As políticas de recepção de migrantes que os criminalizam e os enviam, sem respeito algum pelos seus direitos, é um sintoma que nos alerta sobre a saúde da Europa. Este sintoma sim, podemos temer.

E finalmente, aos meus concidadãos jornalistas da rádio, peço que se faça um minuto de silêncio a cada notícia do migrante que morre à nossa porta. O que mata o marinheiro não é a vela, é a solidão e o desamparo perante o mar cruel.

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