Cientistas obtêm sequenciação genómica muito detalhada de tartaruga-gigante

Publicação de um genoma de referência para estudos genéticos da tartaruga-gigante-de-aldabra abre caminho para programas de conservação e reprodução em cativeiro. Esta é uma das duas únicas espécies destes répteis gigantes que restam hoje no planeta, refere estudo.

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A tartaruga-gigante-de-aldabra pode pesar até 300 quilos e viver mais de um século Dennis Hansen
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A tartaruga-gigante-de-aldabra pode pesar até 300 quilos e viver mais de um século Dennis Hansen

Um grupo internacional de cientistas conseguiu obter uma sequenciação ultradetalhada do genoma da tartaruga-gigante-de-aldabra (Aldabrachelys gigantea), uma das duas únicas espécies destes répteis colossais que restam hoje no planeta. Estes dados completíssimos do património genético constituem, segundo o estudo publicado na revista científica GigaScience, uma ferramenta poderosa para garantir a conservação e o futuro desta espécie em risco de extinção.

“Num momento em que a actividade humana está a empurrar o planeta para a sexta extinção em massa, as tecnologias genómicas constituem uma importante ferramenta para os investigadores na área da conservação”, lê-se no estudo publicado esta terça-feira.

A tartaruga-gigante-de-aldabra pode pesar até 300 quilos e viver mais de um século. Segundo a Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza, a espécie está classificada como “vulnerável”. Por outras palavras, este réptil colossal corre um grande risco de extinção – o que torna ainda mais urgente a obtenção de ferramentas, no campo da genética, que possam fortalecer as estratégias de conservação.

Não basta criar as condições para que a cópula dos animais aconteça em cativeiro e, depois, torcer para que corra tudo bem com as crias. É preciso garantir variedade genética para que a nova geração tenha as melhores condições para crescer e se reproduzir, sugere o estudo.

“A informação genómica é importante para os esforços de reprodução em jardins zoológicos, para manter a diversidade genética presente na natureza”, afirma a co-autora Gözde Çilingir, da Universidade de Zurique, numa nota de imprensa.

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A cientista Gözde Çilingi ao lado de uma tartaruga-gigante no Jardim Zoológico de Zurique Jardim Zoológico de Zurique/DR

A sequenciação genómica foi elaborada por investigadores da Suíça, do Reino Unido e das Seychelles recorrendo a “métodos de última geração”. Estas técnicas mais sofisticadas permitiram obter uma representação em “escala cromossómica” do genoma da Aldabrachelys gigantea – ou seja, uma exposição dos dados genéticos extremamente detalhada.

O que é “escala cromossómica”?

Uma sequenciação à “escala cromossómica” consiste numa representação do genoma quase livre de lacunas. Segundo a nota de imprensa, as mais de duas mil milhões de “letrinhas” que compõem o código genético, assim como as sequências em que estão alinhadas, surgem no sequenciamento exactamente “na mesma ordem em que aparecem nos cromossomas reais” das tartarugas-gigantes.

Se quisermos fazer uma analogia com a transcrição de um discurso, esta sequenciação ultradetalhada do genoma não inclui apenas as palavras proferidas, mas também as pausas e as hesitações do orador. São detalhes que tornam um texto mais rico e ajudam a contextualizar o conteúdo da conferência.

Esta sequenciação mais detalhada do genoma oferece “informações genómicas tão refinadas que permitem aos investigadores rastrear com mais precisão a variação genética em tartarugas selvagens e em cativeiro”, refere o comunicado. A ferramenta também poderá ser útil, no futuro, para compreender mecanismos biológicos que tornam estes animais tão gigantes e longevos.

Este genoma de referência pode agora ser usado em programas de conservação e reprodução da tartaruga-gigante-de-aldabra. Os autores demonstraram a utilidade da nova ferramenta sequenciando o genoma de 30 indivíduos da população selvagem e dois do Jardim Zoológico de Zurique, na Suíça. O trabalho permitiu determinar a origem provável dos animais em cativeiro.

Comilões que dispersam sementes

Tartarugas-gigantes já viveram em Madagáscar e diferentes partes do oceano Índico. Registos fósseis revelam ainda que estes animais estavam presentes em todos os continentes, à excepção da Austrália e da Antárctica, refere a nota. Hoje, contudo, só são encontradas no atol de Aldabra – e daí o nome da espécie –, nas Seychelles, e nas ilhas Galápagos, no Equador. A Aldabrachelys gigantea continua a viver no habitat nativo, a noroeste de Madagáscar.

Os cientistas acreditam que o estudo agora publicado abre caminho para, no futuro, devolver tartarugas-gigantes aos ambientes de onde eram naturais. E mais: ajudá-las a singrar em ilhas do oceano Índico Ocidental, actuando como substitutos ecológicos de tartarugas-gigantes extintas e contribuindo para a restauração de ecossistemas locais.

O estudo recorda que as tartarugas-gigantes integram os ecossistemas globais há cerca de 220 milhões de anos. Como estes répteis são muito comilões – a fome é congruente com o tamanho do animal –, desempenham um papel relevante na dispersão de sementes e na manutenção do ciclo de nutrientes. Enquanto devoram uma quantidade enorme de vegetação, vão enriquecendo processos biológicos e restaurando mecanismos naturais através da digestão e excreção. Agora, estes répteis terão mais oportunidades para definir a “arquitectura paisagística” dos lugares onde habitam.