O segredo do sexo dos tubarões-frade: speed-dating em círculos

Cientistas fizeram pela primeira vez observações documentadas de comportamentos de cortejo daquele que é o segundo maior peixe do mundo. Descoberta pode ser importante para a sua conservação.

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Um círculo formado pelos tubarões-frade Simon Berrow

Os tubarões-frade são os segundos maiores tubarões (e peixes) do mundo, depois do tubarão-baleia. Passeiam-se pelos oceanos da Terra. Mas o que fazem quando chega a época da reprodução e os machos têm de se encontrar com as fêmeas? Uma equipa internacional de cientistas, que inclui um investigador português, descobriu que usam uma espécie de speed-dating, para que rapidamente muitos animais de ambos os sexos possam entrar em contacto.

O que cientistas britânicos e irlandeses, bem como Nuno Queiroz, do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO) da Universidade do Porto, descrevem num artigo na revista Fish Biology é a observação, de 2016 a 2021, de 19 aglomerações destes tubarões girando em círculo, em várias camadas, a Sudoeste de Inglaterra e ao largo do condado de Clare, na Irlanda (na costa Sudoeste), nos meses de Verão.

“Eles não se estão a alimentar, porque quando se alimentam abrem a boca – eles filtram a água para comer plâncton”, conta Nuno Queiroz. E, por outro lado, estavam a ter vários comportamentos tipificados que fizeram os cientistas pensar que estavam a assistir a um comportamento social. “Acenos de cabeça, mostrar a parte ventral. O que pensamos é que isto é sobretudo um comportamento ligado à reprodução, é um comportamento social. Deve ser uma maneira muito rápida de eles se mostrarem uns aos outros”, explica o cientista português.

Speed-dating, como rapidamente foi apelidado. “É uma maneira muito rápida de conhecerem parceiros ou potenciais parceiros no meio do mar”, diz Nuno Queiroz.

Isto acontece em zonas em que há frentes térmicas – áreas em que a água muda rapidamente de temperatura, e onde geralmente os tubarões-frade encontram a presa deles que é o microscópico plâncton. “Eles alimentam-se ao longo destas frentes, e já se sabia que as usavam para alguns tipos de comportamentos sociais. São espécies bastante costeiras, mas atravessam o oceano todo. É muito difícil um indivíduo encontrar outro. Aproveitam estas zonas para esse tipo de encontros”, conclui.

Os grupos de tubarões-frade observados a girar e a interagir – tanto a partir do ar, com drones, como com filmagens feitas no mar – tinham entre seis e 23 animais. Alguns à superfície, e outros por baixo deles, mais fundo, até cerca de 16 metros de profundidade, formando uma estrutura tridimensional em forma de anel a que os cientistas chamam um “tórus”.

“Embora haja outros animais que se agreguem para a reprodução, em tubarões, não conheço mais nenhuma espécie que faça isto”, observa Nuno Queiroz. “Provavelmente será o estilo deste tubarão, seguirem estas zonas frontais, onde as presas se agregam, e depois pode haver encontros entre machos e fêmeas.”

Os círculos eram formados por seis a 23 animais Nick Pfeiffer
Os cientistas pensam que este é um comportamento social, ligado à reprodução Nick Pfeiffer
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Os círculos eram formados por seis a 23 animais Nick Pfeiffer

Menino ou menina?

Mas como é que se distingue um tubarão macho de uma fêmea? “Ah, é externo. Os machos têm dois pterigopódios que inserem na cloaca na fêmea o que estiver mais perto”, diz o cientista. Este palavrão designa dois apêndices que os machos de tubarão usam para inserir o esperma nas fêmeas – não são exactamente pénis, são uma extensão das barbatanas pélvicas.

“É uma adaptação que os tubarões têm para facilitar a fertilização, que é interna. Não é como nos peixes ósseos, que é externa, a fêmea põe os ovos na água e vêm os machos e lançam o esperma na água. Os tubarões são um grupo bastante antigo [em termos evolutivos], mas que tem várias coisas parecidas com os mamíferos, e uma delas é a fertilização interna”.

“Como não têm braços para se agarrar, os machos agarram as fêmeas mordendo-as na zona da barbatana peitoral. Por isso é que referimos no artigo que observámos abrasões na barbatana peitoral das fêmeas. São sinal de que houve machos que tentaram ou conseguiram agarrar as fêmeas”, explica Nuno Queiroz. “Por isso é que as fêmeas dos tubarões-azuis, por exemplo, têm a pele com o dobro da grossura da dos machos. Ficam com aquelas lesões das marcas dos dentes dos machos.”

Esta descoberta pode ser importante para a conservação desta espécie, cobiçada por causa do seu enorme fígado, rico em óleos e ácidos gordos que o ajuda a boiar, e que pode representar 25% do peso de um animal. Hoje os tubarões-frade estão categorizados como uma espécie “em risco na lista de protecção da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies Silvestres Ameaçadas de Extinção (CITES), mas já foram intensamente caçados. “Foram pescados no início do século XX e, entretanto, a população colapsou, e depois voltaram a ser pescados nos anos 1960, e a população voltou a colapsar”, contou Nuno Queiroz.

“O que nós mostramos com este estudo é que é ainda mais importante proteger os tubarões-frade nestas zonas costeiras, e sobretudo nas zonas das frentes térmicas, porque ali juntam-se muitos indivíduos, numa área muito pequena. São zonas prioritárias para serem protegidas”, expõe o investigador.

São frequentes os avistamentos de tubarões-frade nas águas portuguesas, sobretudo no Algarve, embora não em aglomerações como ao largo da Irlanda e Inglaterra. “No Verão, ou na Primavera, sobretudo, em Inglaterra aproximam-se bastante da costa, as pessoas que estão na praia conseguem ver estes tubarões”, diz Nuno Queiroz.

Mas como ninguém os observava no Inverno, havia a teoria de que eles desapareciam, migravam para o fundo do mar. Eles têm uns ganchinhos nas fendas branquiais onde apanham o plâncton, e pensava-se que eles largavam esses ganchinhos e hibernavam. Mas não é assim”, explica Nuno Queiroz. “Nós é que no Inverno não conseguimos observar tão bem as coisas, porque não vamos para o mar tantas vezes”.

Percebeu-se que não hibernavam graças à tecnologia, que permitiu marcar tubarões com transmissores e segui-los por satélite. Essa foi uma investigação de David Simms, do Centro Nacional de Oceanografia da Universidade de Southampton (Reino Unido), que é o primeiro autor deste novo trabalho sobre os tórus e foi o orientador de doutoramento de Nuno Queiroz.

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Alguns tubarões circulavam à superfície, e outros por baixo deles, mais fundo, até cerca de 16 metros de profundidade Nick Pfeiffer

“Acho que com estes tórus acontece a mesma coisa. Este comportamento será bastante frequente, é provavelmente uma maneira de eles escolherem os parceiros muito rapidamente, só que é difícil de observar noutras alturas”, especula Nuno Queiroz. Ou se calhar só acontece no Verão, completa. “Mas deverá haver muito mais do que aquilo que conseguimos observar.”

As alterações climáticas ameaçam de alguma forma a continuidade deste comportamento dos tubarões-frade. “Em risco não diria... Agora que deverá haver uma alteração das localizações onde acontecem, sim. É provável que à medida que a água vai aquecendo a Sul, esta espécie consiga ocupar ambientes cada vez mais a Norte”, diz Nuno Queiroz.

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