Profissionais alertam para degradação e “falta de estratégia eficaz” no património cultural

ICOM, AAP, Apom, ARP, BAD e ICOMOS continuam à espera de que a Assembleia da República promova uma reunião conjunta com a comissão parlamentar de Cultura, pedida em Junho. E insistem na radiografia muito negativa do modo como o PRR para este sector está a ser gerido pela DGPC.

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Escavações arqueológicas na Sé de Lisboa Nuno Ferreira Santos

Seis associações do património cultural consideram que a “falta de estratégia eficiente e eficaz” está a provocar “opções desajustadas”, sem capacidade para resolver dificuldades no sector, como a carência de recursos humanos e a degradação de serviços e edifícios. Estas preocupações foram reunidas num documento enviado em Junho deste ano à Assembleia da República, pedindo uma audiência conjunta na comissão parlamentar de Cultura, que até ao momento está sem resposta, revelou esta sexta-feira à agência Lusa fonte da iniciativa.

“Até agora justificam que ainda não houve oportunidade”, indicou a museóloga Maria de Jesus Monge, presidente da secção portuguesa do Conselho Internacional de Museus (ICOM-Portugal), uma das organizações que elaborou o documento, em conjunto com o Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios (ICOMOS), a Associação dos Arqueólogos Portugueses (AAP) e a Associação Portuguesa de Museologia (Apom).

A Associação Profissional de Conservadores-Restauradores de Portugal (ARP) e a Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas, Profissionais da Informação e Documentação (BAD) também fazem parte do grupo que redigiu o documento em forma de diagnóstico do sector do património cultural.

Todas as entidades fazem um resumo da situação de cada área que representam, e as avaliações são semelhantes, apontando, nomeadamente, para o incumprimento ou insuficiência de legislação, degradação da situação profissional, “inoperância da DGPC [Direcção-Geral do Património Cultural], a tutela, a necessidade de “imprescindíveis” reformas nos museus e monumentos, a falta de apoio financeiro e de reforço dos recursos humanos, e também de modernização das infra-estruturas dos serviços.

“O diagnóstico geral está feito e, infelizmente, é o mesmo desde há demasiado tempo”, concluem, no documento com dez páginas enviado à agência Lusa.

Os representantes das áreas dos museus e monumentos, arqueologia, bibliotecas e arquivos, conservação e restauro concluem que “a falta de uma estratégia eficiente e eficaz para o património cultural tem propiciado opções desajustadas, inoperantes e sem capacidade para resolver as dificuldades que se adensam” há anos no património cultural.

Incapacidade da DGPC

Apesar da esperança despertada no sector, nomeadamente com a publicação do regime jurídico de autonomia dos museus, monumentos e palácios, a atribuição de verbas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para a Cultura – no valor de 150 milhões de euros, na área do património – e a intenção de elaborar um plano estratégico para os museus, “que deveria ter sido concluído em finais de 2021”, as associações dizem que “continua a ser evidente a incapacidade de actuação por parte da actual estrutura administrativa [da DGPC], quer em fazer cumprir a legislação em vigor, quer em implementar as imprescindíveis e prementes reformas”.

Em particular, nas obras previstas no âmbito do PRR, consideram “lamentável, que não tenham sido previamente discutidas e acordadas com os serviços responsáveis pelos museus, palácios e monumentos, verificando-se que a maioria dos projectos e obras não são prioritários nem contribuem para a boa conservação dos edifícios”.

Acrescentam, no documento enviado ao Parlamento em Junho, que “é ainda mais lamentável que a responsabilidade dos projectos e obras a executar sejam, maioritariamente, da responsabilidade de autarquias e outras entidades, retirando à DGPC e Direcções Regionais de Cultura essa competência, sendo que são essas as instituições, com reconhecida capacidade técnica e conhecimento profundo dos edifícios, as responsáveis pela gestão e manutenção dos museus, palácios e monumentos”.

Na área da arqueologia, chamam a atenção para o aumento da “incapacidade dos serviços do Estado para a necessária monitorização do território, tendo-se igualmente agravado a inoperância e opacidade da DGPC, traduzida em casos tão lamentáveis como o das ruínas islâmicas da Sé de Lisboa, onde, contrariamente ao que se exige a privados, se executaram projectos de obras antes do conhecimento dos resultados dos trabalhos arqueológicos prévios”.

Apontam ainda a “existência de insuficiências na legislação de protecção dos bens arqueológicos, seja na sua redacção ou na sua aplicação em sede jurisdicional, que conduziu a casos tão lamentáveis como a não condenação de actos de vandalismo praticados sobre as gravuras rupestres do Côa [junto ao rio Douro] ou à proliferação da praga dos detectores de metais”.

As associações profissionais ICOM, AAP, Apom, ARP, BAD e ICOMOS dizem que têm vindo a alertar para a “degradação da situação profissional, com as inevitáveis consequências a nível patrimonial”, mas, “apesar de sucessivas iniciativas junto dos responsáveis do Governo pela área da Cultura e dos grupos parlamentares da Assembleia da República, não houve até ao momento a vontade ou a capacidade para responder aos desafios acrescidos de velhos problemas e novos tempos”.

Defendem, neste longo documento, a “necessidade urgente de regulamentação do regime de acesso e exercício das profissões e actividades profissionais envolvidas na preservação, conservação e divulgação do património cultural”. Nesse sentido, pedem, entre outras medidas, a implementação de “uma estratégia de recrutamento que tenha em conta a especificidade das diferentes carreiras na área do património: conservadores-restauradores, conservadores de museu/museólogos, vigilantes-recepcionistas de museu, bibliotecários, arquivistas e arqueólogos.

Num apelo lançado a 18 de Maio, Dia Internacional dos Museus, o ICOM-Portugal já alertara para a situação de “algumas instituições de referência” de museus do país que “não estão já em condições de cumprir as funções que lhes são cometidas”, devido a uma “crónica” falta de recursos.

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