110 Histórias, 110 Objectos: o sextante de Gago Coutinho

No 62.º episódio do podcast, conhecemos o sextante de Gago Coutinho. O podcast 110 Histórias, 110 Objectos, do Instituto Superior Técnico, é um dos parceiros da Rede PÚBLICO.

No podcast 110 Histórias, 110 Objectos, um dos parceiros da Rede PÚBLICO, percorremos os 110 anos de história do Instituto Superior Técnico (IST) através dos seus objectos do passado, do presente e do futuro. No 62.º episódio do podcast, conhecemos o sextante de Gago Coutinho.

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O sextante de Gago Coutinho Instituto Superior Técnico

A chegada da Sacadura Cabral e Gago Coutinho ao Rio de Janeiro a bordo da aeronave “Santa Cruz”, a 17 de Junho de 1922, marcou umas das páginas douradas do século XX português. Dois meses e meio depois da partida de Belém (Lisboa), a 30 de Março, e após 62 horas de voo efectivo, o concretizar da primeira travessia aérea do Atlântico Sul representou também uma grande vitória do conhecimento e da tecnologia.

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Entre os instrumentos que tornaram essa travessia possível encontrava-se uma adaptação de Gago Coutinho, operada nas outrora oficinas de precisão do Instituto Superior Técnico, entre 1920 e 1921: o sextante de Gago Coutinho, também designado por “sextante de Coutinho” ou “sextante de horizonte artificial”. “Na navegação aérea levanta-se o problema da orientação, porque estamos acima das nuvens e muitas vezes não temos referências dos astros, que acontece com mais facilidade no mar. Isto era um dos grandes desafios que se colocavam nessa altura à navegação aérea”, explica Jorge Freitas Branco, professor aposentado de Antropologia do ISCTE.

“Tratava-se de conceber um horizonte artificial. O que ele traz de novo é a possibilidade de orientação sem as estrelas, porque se constrói um horizonte artificial. Enquanto até aí a orientação era feita com um horizonte real, com a linha do mar, o chamado horizonte”, complementa. O instrumento afinava o processo de cálculo de posicionamento, permitirá cálculos muito rigorosos. Para garantir que as “condições que tinha em mente para preparar os voos” eram cumpridas, o Almirante Gago Coutinho terá estado também fisicamente nas antigas instalações do IST a acompanhar o processo.

O primeiro teste do sextante de Gago Coutinho (e de um corretor de rumos também inventado por si) aconteceu em 1921 numa travessia Lisboa-Funchal. “Esse voo funcionou muito bem em termos de orientação”, conta Jorge Freitas Branco. O avião em que tinha saído não regressou, ficou destruído num acidente em Porto Santo, mas os tripulantes regressaram sãos e salvos, de barco. E já tinham lançado sementes na História.

Foi graças a esses instrumentos de navegação que a travessia até ao Brasil foi possível, não sem sobressaltos pelo caminho. “O voo para o Brasil foi feito aos soluços, porque não era possível fazer um voo directo. E teve muitos problemas. Houve uma aeronave que se afundou, destruiu-se. Eles naufragaram e foram salvos por acaso”. Duas aeronaves, a Lusitânia e a Pátria, ficaram pelo caminho e só com o hidroavião Santa Cruz a viagem pode ser completada. Escusado será dizer que perderam tudo o que tinham a bordo, incluindo o sextante. Tudo não: reza a lenda que Gago Coutinho se agarrou a um exemplar dos Lusíadas até ser resgatado.

Gago Coutinho, definido por Jorge Freitas branco como “uma figura conhecida como militar por ter feito a fixação das fronteiras nas Colónias, sobretudo em São Tomé, Angola e também em Moçambique”. A sua formação militar era de topógrafo, o que o levou a navegar “praticamente dez anos seguidos”, como complementa o Comandante Carlos Valentim, subdirector do Museu de Marinha. “Fez 23 mil milhas, o equivalente a 314 dias de um ano. Depois teve uma experiência fundamental nas campanhas geográficas que levou a cabo quer em África, quer em Timor”, complementa.

A ambição e coragem de Gago Coutinho e Sacadura Cabral, dois oficiais da Marinha dotados de saber técnico e científico, surgiram num momento em que “Portugal se encontrava num período muito conturbado durante a 1.ª República”. “A sociedade portuguesa tinha fome de heróis”, explica Carlos Valentim.

“Surgem no momento exacto numa sociedade pós-Grande Guerra, em que as dificuldades são imensas, em que há uma inflação galopante... Vêm dar o alento a uma sociedade que se encontrava em crise, num mundo que mudava muito rapidamente. Estamos a falar de um período entre guerras em que há uma tentativa de chegar mais além, há uma competição quer ao nível da velocidade, nos hidroaviões e nos aviões no ar, há uma competitividade no mar e em terra, desafiando o perigo e querendo chegar mais além, querer conquistar novos recordes”.

Deste momento alto da sociedade portuguesa, ficaram as histórias do conhecimento que se ganhou e do sextante criado por Gago Coutinho. A testemunhar a façanha está um exemplar do instrumento no Museu de Marinha, em Lisboa. É possível que um ou outro exemplar, construído nas oficinas do IST, repouse no fundo do oceano Atlântico desde 1922.


O podcast 110 Histórias, 110 Objectos é um dos parceiros da Rede PÚBLICO. É um programa do Instituto Superior Técnico com realização de Marco António (366 ideias) e colaboração da equipa do IST composta por Filipa Soares, Sílvio Mendes, Débora Rodrigues, Patrícia Guerreiro, Leandro Contreras, Pedro Garvão Pereira e Joana Lobo Antunes.

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