Mãe vidente envia “carta-tipo” a filha sobrecarregada

Filha, diz lá, custa alguma coisa fazer copy/paste disto e devolver na volta do correio?

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@designer.sandraf

Ana,

Estava eu muito entretida a encerar o chão do corredor quando tive uma visão da “carta-tipo” que gostava de receber de ti. É sempre nestes momentos de tarefas manuais que o espírito se liberta, e nos deixa perceber o que guardamos cá dentro a sete chaves.

Larguei os panos e corri para o computador antes que a inspiração me passasse — aqui vai a minuta:

Minha querida mãe,

O dia de ontem foi espectacular. As crianças ficaram na escola super felizes e eu, a caminho do trabalho, ainda consegui parar naquela loja de que lhe falei e comprar um vestido para a festa da Maria — foi espectacular estar com os primos todos. E com o meu marido porque, como a mãe diz, na correria do dia-a-dia, quase que não há espaço para programas de adultos a dois (há sempre um que acaba por ficar com as crianças).

Não chegámos muito tarde, e é claro que aquele que não bebeu álcool é que veio a guiar, que chata, mãe, já sei que era isso que me ia perguntar, e hoje acordámos todos mesmo bem-dispostos. Com uma surpresa acrescida: os tios vieram buscar os mais pequenos para irem com eles à praia, ainda está tão bom, e à tarde foram com as mais velhas a uma prova de skate.

Sim, já estão bons da covid e o mano não tossiu uma única vez. Acabámos agora de vir de casa da minha sogra, onde fomos jantar, o que foi óptimo porque comemos bem e é menos uma refeição que tenho de cozinhar — e sim, querida mãe, vou tomar um xarope para abrir o apetite porque tem toda a razão e preciso de engordar um bocadinho. Da próxima vez que me vir já estou como o Joãozinho da Casinha de Chocolate, pronta para ir ao forno.

O que é que tenho mais para lhe contar? Ah sim, já sei, é claro que os seus netos preferiam ter ido a sua casa, mas felizmente também adoram a outra avó.

Goze lá o sossego e o prazer criativo de encerar as escadas, ou lá o que é, que amanhã já lhe mando as miúdas para puxar o lustro com a enceradeira, até porque a Martinha quer ganhar umas moedas para o porquinho onde junta o dinheiro para ir à Euro Disney.

Um grande beijinho, love you, Ana”

Filha, diz lá, custa alguma coisa fazer copy/paste disto e devolver na volta do correio?


Mãe,

Que espanto, tirou-me as palavras da boca. A mãe é vidente, de certezinha absoluta, e os vapores da cera devem ajudar. Acho sinceramente que devia abrir um consultório. Então não é que eu tinha acabado de lhe escrever uma carta que, por coincidência, me parece igualzinha à que mandou. Aqui vai:

Minha querida mãe,

O dia de ontem foi espectacular. As crianças ficaram na escola super felizes e eu, a caminho do trabalho, ainda consegui parar naquela loja de que lhe falei e comprar um vestido para a festa da Maria — foi espectacular estar com os primos todos. E com o meu marido porque, como a mãe diz, na correria do dia-a-dia, quase que não há espaço para programas de adultos a dois (há sempre um que acaba por ficar com as crianças).

Não chegámos muito tarde, e é claro que aquele que não bebeu álcool é que veio a guiar, que chata, mãe, já sei que era isso que me ia perguntar, e hoje acordámos todos mesmo bem-dispostos. Com uma surpresa acrescida: os tios vieram buscar os mais pequenos para irem com eles à praia, ainda está tão bom, e à tarde foram com as mais velhas a uma prova de skate.

Sim, já estão bons da covid e o mano não tossiu uma única vez. Acabámos agora de vir de casa da minha sogra, onde fomos jantar, o que foi óptimo porque comemos bem e é menos uma refeição que tenho de cozinhar — e sim, querida mãe, vou tomar um xarope para abrir o apetite porque tem toda a razão e preciso de engordar um bocadinho. Da próxima vez que me vir já estou como o Joãozinho da Casinha de Chocolate, pronta para ir ao forno.

O que é que tenho mais para lhe contar? Ah sim, já sei, é claro que os seus netos preferiam ter ido a sua casa, mas felizmente também adoram a outra avó.

Goze lá o sossego e o prazer criativo de encerar as escadas, ou lá o que é, que amanhã já lhe mando as miúdas para puxar o lustro com a enceradeira, até porque a Martinha quer ganhar umas moedas para o porquinho onde junta o dinheiro para ir à Euro Disney.

Um grande beijinho, love you, Ana”


O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam.

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