Como as alterações climáticas estão a alimentar rapidamente super-furacões

Desde 2017, várias tempestades muito fortes atingiram a costa dos Estados Unidos (o furacão Ian é apenas a ocorrência mais recente). O aquecimento global está a enfraquecer as correntes atmosféricas que mantêm sistemas tropicais como os furacões em movimento, resultando em tempestades que acabam por durar mais tempo e causar mais destruição.

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Rasto de destruição do furacão Ian Reuters/STRINGER

Enquanto, na semana passada, o furacão Ian rumava em direcção à Florida, ele fez o que seis outras tempestades nos últimos seis anos fizeram ao se aproximarem dos Estados Unidos: intensificou-se rapidamente.

Factores que ajudam a explicar este aumento de casos incluem, por exemplo, o aquecimento do oceano, que dá aos furacões mais energia para libertar, na forma de ventos e ondas fortes. Alguns estudos também indicam que o aquecimento global está a enfraquecer as correntes atmosféricas que mantêm sistemas tropicais como os furacões em movimento, resultando em tempestades que acabam por prolongar a sua estadia e ser mais destrutivas.

Desde 2017, várias tempestades de categoria quatro (a segunda mais elevada) ou até mesmo mais fortes atingiram a costa dos Estados Unidos. Depois dos furacões Harvey, Irma, Maria, Michael, Laura e Ida, chega agora o Ian. Todos estes são classificados como “eventos de intensificação rápida”: fenómenos meteorológicos extremos cujos ventos sobem, em termos de velocidade, mais de 55 quilómetros por hora (km/h) no espaço de um dia.

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Casa na Florida destruída pelo furacão Ian MARCO BELLO/Reuters

Estes eventos estão a tornar-se mais frequentes. Dezasseis das 20 tempestades registadas na bacia do Atlântico nas duas últimas temporadas de furacões sofreram um processo de rápida intensificação.

“Sobretudo nas regiões à beira da costa, onde os furacões estão perto de terra firme, as taxas de intensificação das tempestades têm vindo a crescer. Isto é algo desconcertante”, diz Karthik Balaguru, cientista do Laboratório Nacional do Noroeste do Pacífico, nos Estados Unidos.

Na semana passada, o furacão Ian foi apenas o caso mais recente quando, de segunda para terça, passou de um furacão de baixa intensidade, com ventos na ordem dos 120,7 km/h, para uma tempestade de categoria três, com ventos bastante mais fortes (201,2 km/h). Quando, na quarta-feira, se aproximou da Florida, a velocidade dos ventos passou de 193,1 km/h (às 2h) para 249,4 km/h (às 7h).

A série de tempestades intensas que vêm a atingir os Estados Unidos desde 2017 constitui “uma das épocas mais movimentadas para furacões poderosos que alguma vez vimos”, refere Phil Klotzbach, investigador da Universidade do Estado do Colorado. Um período comparável a este observou-se entre 1945 e 1950, quando cinco furacões de categoria quatro atingiram a região da Florida em seis anos. Devido a este historial, Klotzbach não se compromete a dizer que a actual série de tempestades intensas corresponde a uma série sem precedentes.

Mas um estudo científico publicado no início deste ano aponta que, desde 1990, um número cada vez maior de ciclones tropicais globais atravessou um processo “extremo” de intensificação rápida, com os respectivos ventos a aumentarem, em termos de velocidade, quase 92 km/h no espaço de um dia. Outro estudo, de 2018 (e centrado na bacia do Atlântico), indicou que, entre os ciclones que se fortaleceram mais rapidamente, os seus ventos ficaram 6,4 km/h mais velozes por década nos últimos 30 anos.

O próprio Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) refere nos seus relatórios que os ciclones tropicais estão, provavelmente, a ficar mais intensos, bem como mais propensos a uma rápida intensificação.

“Diria que uma das coisas mais preocupantes sobre as alterações climáticas é uma mudança em extremos”, aponta Balaguru. “A rápida intensificação é um processo que se enquadra nessa categoria de extremo.”

Por exemplo, Balaguru diz que, se há quatro décadas os ventos de uma tempestade no mar do Caribe se intensificassem 54,7 km/h num só dia, hoje os mesmos ventos ganhariam, no mesmo espaço de tempo, uma velocidade de mais 77,2 km/h.

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Olho do furacão Ian enquanto este se aproximava do Sudoeste da Florida, a 28 de Setembro NASA Handout/LUSA

Os ventos que afastam os furacões estão a ficar mais fracos

Uma análise preliminar das chuvas do furacão Ian, divulgada na última quinta-feira por Kevin Reed (professor da Universidade Stony Brook, em Nova Iorque) e Michael Wehner (investigador do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley, na Califórnia), sustenta que as alterações climáticas são responsáveis por aumentar as taxas de chuva extrema do furacão em 10%.

Um oceano mais quente, juntamente com um baixo gradiente vertical da velocidade do vento, ajudaram a impulsionar a rápida intensificação das recentes tempestades.

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Início da chegada do furacão Ian à Florida SHANNON STAPLETON/Reuters

Geralmente, as águas oceânicas têm de estar a uma temperatura superior a 26,1 graus Celsius para um furacão se desenvolver e persistir. Nas últimas décadas, o oceano aqueceu em taxas recordes, devido à actividade antropogénica e às consequentes emissões de gases com efeito de estufa. À medida que o furacão Ian se afastava de Cuba, as temperaturas da superfície do mar aproximavam-se dos 30 graus Celsius.

O aquecimento global também significa que as águas, sobretudo no golfo do México, estão a aquecer para lá daquela que é a sua superfície. Quanto mais o calor “desce” no mar, mais energia pode fluir para uma tempestade duradoura como o furacão Ian. A água do mar, quando está quente, evapora-se, formando-se humidade que pode voltar a condensar-se em tempestades, nuvens e chuva.

“Se for suficientemente profunda, uma tempestade pode passar dias sobre esta água quente”, diz James Kossin, especialista em estudos sobre a intensidade de furacões.

O gradiente vertical da velocidade do vento também é uma influência importante na intensidade dos furacões, embora os cientistas ainda estejam a analisar quaisquer tendências de longo prazo. Um gradiente elevado pode enfraquecer um furacão, enquanto um gradiente mais fraco pode ajudar um furacão a se formar e se fortalecer.

O gradiente da velocidade do vento tem estado relativamente baixo no Atlântico Ocidental desde 2017, o que, segundo Phil Klotzbach, explica parcialmente a enxurrada de ciclones tropicais ocorridos desde então. É possível que, a longo prazo, as alterações climáticas tornem esta condição ambiental mais comum. Os cientistas acreditam que as correntes de jacto (ventos rápidos que normalmente sopram de Ocidente para Oriente e que criam gradientes fortes) podem ser empurradas para o norte à medida que a temperatura global aumenta.

As alterações climáticas também podem estar a aumentar o potencial dos furacões para a intensificação e destruição ao permitir que prolonguem a sua estadia, aumentando a duração dos ventos prejudiciais e das chuvas de inundação.

O furacão Ian foi idêntico ao Charley (2004) tanto em termos de intensidade como em termos do caminho seguido. Mas o Charley entrou na Florida a uma velocidade de 32,2 km/h, ao passo que o Ian moveu-se a apenas 16,1 km/h [a velocidade de um furacão a atravessar um território é diferente da velocidade dos seus ventos]. Isso permitiu que, segundo estimativas iniciais, despejasse até 50,8 centímetros de chuva ao longo do seu trajecto, já mais do que o dobro da chuva do furacão Charley.

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Casas, edifícios e barcos destruídos pelo furacão Michael, que atingiu a Florida em Outubro de 2018 Jabin Botsford/The Washington Post

Os cientistas teorizam que o movimento lento das tempestades pode resultar do rápido aquecimento nos pólos da Terra, que levou a que, no que diz respeito a condições de temperatura e pressão atmosférica, ficassem menos diferentes de latitudes mais baixas. Essas diferenças impulsionam os ventos ao redor do globo, empurrando os sistemas climáticos, incluindo furacões, como rolhas num riacho. Quando são minimizadas, pode provocar-se uma desaceleração mais ampla na movimentação dos sistemas climáticos globais.

O mesmo fenómeno pode estar a causar períodos anormais de calor extremo e “explosões” de frigidez polar, porque os ventos das correntes de jacto que normalmente quebram os padrões climáticos e impulsionam os sistemas de tempestades são mais fracos.

“Parece que toda a atmosfera está a ficar mais lenta e, consequentemente, as tempestades que são transportadas estão a mover-se mais lentamente”, comenta James Kossin.

Tempestades mais lentas em movimentação são capazes de libertar grandes quantidades de chuva. O furacão Harvey libertou mais de 60 centímetros de chuva em algumas partes da zona Sudeste do Texas porque esteve quase dois dias parado sobre a região.

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Na sequência do furacão Harvey, um homem coloca os seus pertences (e animais) sobre um colchão insuflável enquanto tenta fugir de uma zona inundada em Houston, nos Estados Unidos Jabin Botsford/The Washington Post

As autoridades mudaram a forma como emitem previsões e alertam o público, por causa do perigo que a escalada repentina de uma tempestade representa.

O Centro Nacional de Furacões dos Estados Unidos receou a rápida intensificação do Ian assim que a tempestade se transformou numa tempestade tropical. Na manhã da última sexta-feira, bem antes de se aproximar das ilhas Caimão e de Cuba, os meteorologistas alertaram que, provavelmente, alimentar-se-ia das águas quentes do golfo do México e tornar-se-ia um grande furacão, aproximando-se da Florida numa janela de cinco dias.

“Temos ferramentas muito melhores para prever essa rápida intensificação do que costumávamos”, analisa Phil Klotzbach. “Os modelos são simplesmente melhores.”

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post (Kasha Patel)

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