Prémio Nobel da Medicina de 2022 para cientista que ajudou a explicar o que nos torna únicos

Svante Pääbo recebeu nesta segunda-feira o Nobel da Medicina pelas suas descobertas sobre o ADN de outras espécies humanas. A sequenciação do genoma de neandertais e a descoberta dos denisovanos têm sido a sua imagem de marca. E seguiu as pisadas do seu pai: em 1982, também Sune Bergström recebeu o Nobel da Medicina.

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Svante Pääbo foi distinguido com o Nobel da Medicina e é considerado o "monstro sagrado do ADN antigo" Frank Vinken

O Prémio Nobel da Fisiologia ou Medicina de 2022 foi atribuído ao cientista Svante Pääbo pelas suas descobertas sobre os genomas de hominíneos extintos e a evolução humana, anunciou nesta segunda-feira o comité do Nobel no Instituto Karolinska, em Estocolmo (Suécia).

Em 2019, o PÚBLICO entrevistou Svante Pääbo a propósito do seu livro Homem de Neandertal: Em Busca dos Genomas Perdidos.

Svante Pääbo tem-se debruçado sobre os mistérios de espécies humanas já extintas. “A humanidade tem-se sempre intrigado pelas suas origens. De onde é que viemos, como é que estamos ligados àqueles que viveram antes de nós? O que faz de nós, Homo sapiens [a nossa espécie], diferentes de outros hominíneos?” Estas questões referidas no anúncio do prémio e que abrem um comunicado sobre esta atribuição são as perguntas que Svante Pääbo tem tentado responder.

O cientista especializou-se em genética aplicada à evolução humana e está actualmente no Departamento de Genética do Instituto Max Planck para Antropologia Evolutiva, na Alemanha.

“Está sem palavras, está maravilhado. Está muito feliz”, disse durante a conferência de anúncio do prémio Thomas Perlmann, secretário do comité do Nobel da Medicina, sobre a reacção de Svante Pääbo ao prémio. Foi Thomas Perlmann que ligou e anunciou ao cientista a atribuição do Nobel.

Minutos mais tarde, na conta do Twitter dos Prémio Nobel, o galardoado aparecia visivelmente feliz e acompanhado por uma caneca com café. “Depois do choque inicial, uma das primeiras coisas que ele disse foi se poderia partilhar a notícia com a sua esposa, Linda”, lê-se na publicação com uma fotografia tirada pela própria.

Dos neandertais aos denisovanos

Um dos trabalhos que fez com que Svante Pääbo fosse internacionalmente (re)conhecido é a sequenciação do genoma de neandertais, uma espécie humana já extinta. Desde cedo que Svante Pääbo se interessou sobre a possibilidade de usar métodos genéticos para estudar o ADN de neandertais. Mas também sabia que tinha de enfrentar grandes desafios técnicos —​ até porque, com o tempo, esse ADN se ia modificando quimicamente e se degradava em pequenos fragmentos. Mesmo assim, começou a desenvolver métodos para estudar o ADN de neandertais.

Já na década de 1990, na Universidade de Munique, decide analisar o ADN mitocondrial de neandertal. Este ADN é aquele que está presente nas mitocôndrias e é herdado da mãe, mas contém apenas uma pequena fracção da informação genética nas células. Contudo, como está presente em milhares de cópias, aumentava a possibilidade de sucesso.

Svante Pääbo acaba por conseguir mesmo sequenciar essa região do ADN de um osso com 40 mil anos. “Pela primeira vez, tivemos acesso a uma sequência de um parente extinto”, assinala-se no comunicado do Prémio Nobel. Ao comparar-se essa informação com a de humanos modernos e de chimpanzés, percebe-se que os neandertais são geneticamente distintos das restantes analisadas.

A partir daí, a sua missão passa a ser sequenciar o genoma nuclear do neandertal. Vai para o Instituto Max Planck, na Alemanha, e é aí que tudo acaba por acontecer. Explora novas técnicas, melhora outras e atrai mais investigadores para este trabalho. Em 2010, consegue então publicar a primeira sequência de um neandertal. Desde então, tem vindo a investigar a relação entre neandertais e os humanos actuais (nós, portanto).

O osso de um dedo

Mais: muito do seu reconhecimento vem também da descoberta de uma outra espécie já extinta: os denisovanos. Tudo aconteceu a partir da descoberta de um fragmento de um osso de um dedo encontrado na gruta de Denisova, no Sul da Sibéria. O osso tinha ADN bem preservado e a equipa de Svante Pääbo sequenciou-o. E essa informação genética era diferente de toda a que se conhecia antes.

“As descobertas de Svante Pääbo geraram uma nova compreensão da nossa história evolutiva”, nota-se no comunicado. “Através da sua investigação pioneira, Svante Pääbo criou uma área científica completamente nova, a paleogenómica.” Esta disciplina debruça-se sobre o estudo de genomas de organismos antigos. Além das descobertas iniciais, o seu grupo já sequenciou outras sequências genómicas de hominíneos extintos e tem possibilitado um conhecimento mais aprofundado dos humanos no passado e, até, as influências até à nossa fisiologia actual.

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Imagem sobre o trabalho de Svante Pääbo que mais se destacou disponibilizada pelo Prémio Nobel DR

Um dos exemplos dessa influência é a versão denisovana do gene EPAS1, que confere uma vantagem para a sobrevivência em altitudes elevadas e é comum na população que actualmente vive no Tibete. Outro grande exemplo são os genes dos neandertais que afectam a nossa resposta imunitária em diferentes tipos de infecções.

Na altura da entrevista, o PÚBLICO lembrava que depois de publicar o artigo na revista Cell, em 1997, em que apresentava o primeiro fragmento do genoma de um neandertal, espécie de humanos extinta, muita coisa mudou. Em 2010, foi identificada uma nova espécie extinta de humanos, os denisovanos, e em 2013 era publicado na Internet o genoma completo da mulher neandertal estudada pela equipa do biólogo sueco que em 2019 se dedicava a investigar uma nova espécie que também entra na história do nosso ADN ancestral, o Homo floresiensis (conhecido como “hobbit” pelas suas características físicas), encontrado na Indonésia.

Pai também venceu Nobel da Medicina

A história que hoje temos sobre o passado da espécie humana foi escrita por muitos cientistas (desde arqueólogos a paleontólogos, passando por biólogos e geneticistas) e tem um pouco de tudo, incestos, guerras, romance, cruzamentos, extinções e vários cenários espalhados por sítios e grutas que guardaram ossadas e fósseis preciosos. Resta, felizmente para todos, uma certeza: a história ainda está incompleta. “Acredito que vamos descobrir outras espécies extintas de humanos”, referiu Svante Pääbo ao PÚBLICO na entrevista publicada em 2019.

Svante Pääbo nasceu em 1955, na Suécia, e defendeu a sua tese de doutoramento em 1986 na Universidade de Uppsala. Passou também pela Universidade da Califórnia, em Berkeley, nos Estados Unidos. Desde criança que tinha um certo fascínio pela arqueologia, o que foi transmitido pela sua mãe, que o levou ao Egipto quando ele tinha 13 anos, relata-se no site da Fundação Gruber, que lhe atribuiu o seu prémio de genética em 2013. “Tinha uma ideia romântica do que era a arqueologia”, nota nesse site o próprio cientista. “Mas, quando cheguei à Universidade [de Uppsala] e comecei a estudá-la, descobri que não era assim tão romântica como imaginava.”

Acaba por estudar Medicina influenciado pelo seu pai, o bioquímico Sune Bergström, que também recebeu o Prémio Nobel da Medicina em 1982. “Naquela altura, se se estivesse na Suécia e se se tivesse interesse em investigação de biologia básica, ia-se para a escola de Medicina”, recordou. Sempre com a arqueologia na sua mente, ainda estudou adenovírus e a sua interacção com o sistema imunitário. Curioso sobre o ADN que se poderia obter de tecidos antigos, começou por tirar e isolar amostras de múmias egípcias. Acabou por conseguir publicar este trabalho em revistas científicas. Foi apenas o início de algo ainda mais remoto, os genomas de neandertais ou de denisovanos.

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Svante Pääbo numa conferência esta segunda-feira após a atribuição do Prémio Nobel HANNIBAL HANSCHKE

“O seu trabalho revolucionou a nossa compreensão da história evolutiva do humano moderno [a nossa espécie]”, reagiu Martin Stratmann, presidente da Sociedade Max Planck, num comunicado da sua instituição sobre a atribuição do Nobel. “Svante Pääbo demonstrou, por exemplo, que os neandertais e outros hominíneos tiveram um contributo significativo para a ancestralidade dos humanos modernos.”

Pouco depois da atribuição do deste prémio, Svante Pääbo deu uma entrevista já disponível no site dos Nobel. Aí, fala um pouco sobre o contributo do seu trabalho. “Há talvez 1400 gerações, ou até mais, houve outras formas de humanos e eles estavam misturados com os nossos antepassados, contribuindo para quem somos hoje”, assinalou. “Os últimos 40.000 anos são bastante únicos na história humana, e nós somos os únicos humanos agora. Até essa altura, houve quase sempre outros tipos de humanos.”

Nessa entrevista, aborda também as suas influências familiares: “Penso que a grande influência na minha vida foi a minha mãe, com quem cresci. Deixa-me até um pouco triste que ela não possa viver este dia.” Foi a sua mãe que o influenciou e encorajou a seguir uma vida na ciência. O pai também teve alguma influência, mas os destaques vão para a mãe. “O meu pai, com quem tive algum contacto, tinha um grande interesse no meu trabalho, mas não tinha com ele uma relação tão próxima quanto com a minha mãe.”

Outros premiados e expectativas

O Prémio Nobel da Fisiologia ou Medicina de 2021 foi atribuído aos investigadores David Julius e Ardem Patapoutian “pelas suas descobertas de receptores para a temperatura e o tacto”. Já nesse ano, a expectativa era a de que o galardão fosse atribuído a um ou uma cientista envolvidos na batalha mundial contra o SARS-CoV-2 que mobilizou tudo e todos. De novo, este ano, muitos esperavam que os esforços para desenvolver uma vacina em tempo recorde e que salvou milhões de vidas fossem reconhecidos pelo comité do Prémio Nobel.

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Esta segunda-feira no anúncio do Prémio Nobel da Medicina Reuters

Ao longo de 120 anos, entre 1901 e 2020, 222 cientistas receberam o Prémio Nobel de Fisiologia ou Medicina, 12 dos quais foram entregues a mulheres. Na história deste famoso reconhecimento do trabalho nesta vasta área de investigação, consta que o mais jovem laureado de todos os tempos foi Frederick G. Banting, que recebeu o Prémio de Medicina em 1923 pela descoberta da insulina quando tinha apenas 32 anos. O mais velho laureado com o Prémio Nobel em Fisiologia ou Medicina até à data é Francis Peyton Rous, que tinha 87 anos quando lhe foi atribuído o prémio, em 1966.

É na categoria de Medicina que se encontra também o primeiro Prémio Nobel atribuído a um português. Em 1949, o neurologista Egas Moniz partilhou o prémio com o fisiologista suíço Walter Rudolf Hess, com quem desenvolveu a técnica da leucotomia pré-frontal.

Na terça-feira, será conhecido o vencedor ou vencedores do Prémio Nobel da Física e na quarta-feira o comité do Nobel vai premiar o melhor trabalho na área da Química. Por fim, restará o Prémio Nobel da Literatura, na quinta-feira, e, talvez o mais famoso de todos, o Prémio Nobel da Paz, e ainda na próxima segunda-feira o Nobel da Economia.

Os prémios Nobel são atribuídos anualmente pela Academia Real das Ciências da Suécia, pelo Comité do Nobel e pelo Instituto Karolinska a pessoas ou organizações que contribuíram de forma excepcional nos campos da química, física, literatura, paz e medicina.

Os prémios foram criados em 1895 por Alfred Nobel e, entre 1901 e 2021, contam-se 975 laureados. Um pequeno número de indivíduos e organizações foi distinguido mais de uma vez, o que significa que 943 indivíduos e 25 organizações únicas receberam o Prémio Nobel.

Entre os vencedores nas várias categorias, contam-se 59 mulheres.

Desde o início, em 1901, houve alguns anos em que os prémios Nobel não foram atribuídos. No total, houve 49 prémios em várias categorias que não foram atribuídos a ninguém, a maioria das decisões de não distinguir ninguém foi tomada durante a I Guerra Mundial (1914-1918) e a II (1939-1945). Nos estatutos da Fundação Nobel, podemos ler: “Se nenhum dos trabalhos em consideração for da importância indicada no primeiro parágrafo, o dinheiro do prémio será reservado até ao ano seguinte. Se, mesmo assim, o prémio não puder ser atribuído, o montante será acrescentado aos fundos da fundação.”

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