O sorriso por detrás da máscara

Se não tivermos acesso à face do outro, não conseguimos identificar os marcadores a que nos habituamos a dar atenção para fazer uma boa leitura emocional, o que dificulta a comunicação.

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Se não tivermos acesso à face do outro, não conseguimos identificar os marcadores a que nos habituamos a dar atenção para fazer uma boa leitura emocional Mike Blake/Reuters

Sabia que já estamos equipados para sorrir desde os tempos em que moramos na barriga da nossa mãe?

Os neurocientistas que estudam o sorriso explicam que os primeiros sorrisos são primitivos, reflexos ainda desligados dum carácter afetivo. A partir das seis semanas, o sorriso passa a ter implícito um vínculo afetivo, surgindo como resposta ao rosto humano, ao olhar, às cócegas. Mais tarde, por volta dos três meses, surge um sorriso intencional, depois do bebé aprender que esse simples gesto provoca uma resposta, construindo-se assim a reciprocidade na comunicação. Já Saint-Exupery dizia: “No momento em que sorrimos para alguém, descobrimo-la como pessoa, e a resposta do seu sorriso quer dizer que nós também somos pessoa para ela.”

Todos nós já fizemos o chamado “sorriso para a fotografia”, que, na verdade, não se trata de um verdadeiro sorriso, já que, para que seja genuíno, envolve um conjunto de músculos controlados maioritariamente por processos cerebrais inconscientes. Assim se explica que a expressão das emoções básicas é semelhante em diversas culturas, exatamente porque há uma programação da expressão facial.

A investigação neurocientífica identificou um grupo de neurónios que são ativados quando nos movemos ou quando vemos alguém mover-se, imitando de algum modo a experiência do outro, daí terem o nome de neurónios-espelho. Quando olhamos para a expressão facial de alguém, tentamos de imediato interpretar a emoção relacionada e adotamo-la automaticamente. Podemos dissimular esta tendência, tentando inibir de forma consciente a alteração muscular na nossa face. No fundo, as expressões faciais não só transmitem como causam emoções e esta mímica permite a construção de uma competência de grande importância: a empatia!

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A partir das seis semanas, o sorriso passa a ter implícito um vínculo afetivo Getty Images

Nesta linha, é fácil compreender porque quando vemos alguém sorrir temos tendência de sorrir também, porque esse estímulo aciona os tais neurónios-espelho que, por imitação, geram um sorriso também. É interessante constatar todas as potencialidades deste fenómeno do sorriso na nossa saúde física e mental. Estudos com doentes deprimidos ou as ações da Operação Nariz Vermelho, com crianças hospitalizadas, são bons exemplos disso.

Desde Março de 2020 que Portugal vive em contexto de pandemia, muitas vezes assumindo uma interação social com o rosto escondido por uma máscara. O que será do sorriso, que está por detrás da máscara?

O neurocientista Freitas Magalhães, responsável pela criação do Laboratório de Expressão Facial da Emoção, no Porto, tem dirigido uma série de estudos dedicados a analisar os impactos da pandemia e da utilização de máscara, tendo publicado recentemente o livro A Face das Emoções na Pandemia: o Cérebro Perdido. O que estes estudos têm revelado é que, se não tivermos acesso à face do outro, não conseguimos identificar os marcadores a que nos habituamos a dar atenção para fazer uma boa leitura emocional, o que dificulta a comunicação. Esta é uma consequência grave desta pandemia: a dificuldade de pôr em prática os padrões comunicacionais, que têm uma história antiga e enraizada, surgindo “ruído” na comunicação e gerando problemas de ordem emocional.

O obstáculo que a utilização da máscara cria pode provocar muitas perceções e crenças erradas em relação à expressão emocional, o que provoca ansiedade e um aumento da conflitualidade, surgindo as sensações de mal-estar e desgaste psicológico.

O neurocientista afirma que as crianças atualmente revelam défices de perceção emocional, mas acredita que serão mais facilmente recuperáveis com o retorno à normalidade. Já no caso dos adultos e da população mais envelhecida, considera que é uma situação mais complexa, pois os cérebros estavam muitos habituados a ler os tais marcadores da face e, quando estes não estão visíveis, “o cérebro fica perdido” e surgem os sinais de desconforto emocional.

No dia 6 de outubro comemora-se o Dia Mundial do Sorriso e logo depois, no dia 10, o Dia Mundial da Saúde Mental… fica aqui o desafio, que já a sabedoria popular nos vem ensinando: sorria, porque rir é o melhor remédio! Sempre que possível, sem máscara!

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