O que a escola não nos ensinou

Tudo o que implica a vida prática fica de fora da escola, que nos deixa numa espécie de deus-dará colectivo. Aprendemos o que é a fotossíntese e o que fazer em caso de sismo, mas não sabemos bem o que é a inflação.

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Nuno Ferreira Santos

Saímos do ensino obrigatório aos 18 anos. Podemos trabalhar, casar e votar – mas não sabemos como nada disso funciona.

Tudo o que implica a vida prática fica de fora da escola, que nos deixa numa espécie de deus-dará colectivo. Aprendemos o que é a fotossíntese e o que fazer em caso de sismo, mas não sabemos bem o que é a inflação. Ver o Telejornal hoje em dia – dominado pela guerra e pela economia – e ouvir apenas o que é dito pelos jornalistas não chega para perceber aquilo de que se fala.

E é por isso que a escola não está a cumprir o seu papel de educar para a cidadania, numa democracia tão jovem como a portuguesa, que só agora ultrapassou o número de dias da ditadura. A abstenção nas últimas legislativas de 2022 foi de 48,6%, e a faixa etária entre os 18 e os 30 anos aquela que mais se absteve. Tal só nos deve espantar se ignorarmos que:

Saímos da escola sem conhecer a Constituição nem como funciona o sistema eleitoral e político; não nos explicam como se elege ou se é eleito para um cargo público; não aprendemos a distinguir as funções do primeiro-ministro daquelas do Presidente da República; não nos são ensinados os princípios básicos do direito, nem como funciona o sistema judicial; não nos explicam como funcionam nem para que servem os impostos ou a segurança social; não nos ensinam como funciona o dinheiro, o que são as taxas de juro, nem o que provoca a inflação; não nos dão ferramentas para navegar nos media ou evitar que acreditemos nas fake news que inundam as redes sociais; não nos falam de cidadania europeia, nem do que fazem as diferentes instituições europeias para quais temos direito de voto.

E o mais curioso é que estas lacunas se verificam nos alunos da minha geração, mesmo após cinco anos de frequência de uma disciplina chamada Formação Cívica, obrigatória nos currículos do segundo e terceiro ciclos desde 2001, e extinta por Nuno Crato em 2012, um ano depois de Isabel Alçada ter alargado a sua obrigatoriedade ao ensino secundário.

Resta saber se a disciplina autónoma de Cidadania e Desenvolvimento, desde 2018 obrigatória em todas as escolas portuguesas do 5.º ao 9.º ano (e cujo conteúdo é decidido autonomamente por estas), será capaz de inverter esta tendência. Apesar das objecções que têm vindo a público acerca do seu carácter obrigatório, o programa da disciplina parece ir ao encontro do que é ensinado noutros países europeus, ainda que seja pouco detalhado.

No Reino Unido, Citizenship é disciplina obrigatória nas escolas secundárias desde 2002. O programa inclui o funcionamento do sistema político do país, o papel do Parlamento, os direitos dos cidadãos, o sistema legal, e explica ainda noções de rendimento, crédito, dívida, prestações e seguros e de como é gasto o dinheiro público.

Em França, toma o nome de Enseignement Moral et Civique, e desde 2022 que a sua nota passou a contar para a média do ensino secundário. Para além do que é ensinado no Reino Unido, acrescentam-se formas de engajamento político, sindical e associativo, e também noções de bioética e ética médica.

Na Alemanha, Gegenwartskunde é vista como “parte essencial da democracia” e é considerada não-partidária, mas não imparcial, visto fundar-se sobre os valores e interpretações presentes na Constituição.

É, pois, falacioso pensar que não é necessário educar para a democracia, assim como ingénuo crer que os números da abstenção diminuirão milagrosamente sem uma educação para a cidadania.

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