Oito jesuítas terão abusado sexualmente de menores desde 1950. Suspeitos já morreram

Vítimas tinham entre nove e 16 anos de idade. Os casos, ocorridos maioritariamente em ambiente escolar, foram comunicados à Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais na Igreja Católica.

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Casos envolveram alunos dos colégios da Companhia de Jesus Paulo Pimenta (arquivo)

Oito jesuítas da Província Portuguesa da Companhia de Jesus (PPCJ) terão abusado sexualmente de menores, entre 1950 e o início dos anos 1990. Em comunicado, a PPCJ refere-se a estes crimes como tendo “um grau de probabilidade elevada” e esclarece que os oito visados já faleceram.

Os abusos terão corrido maioritariamente em ambiente escolar, envolvendo alunos dos colégios desta ordem religiosa, tanto em contexto de sala de aula como em contacto individual, “sendo uns actos relatados como únicos, outros como pontuais e outros mais recorrentes”, precisa a PPCJ, num comunicado divulgado esta segunda-feira.

As vítimas, de ambos os sexos, tinham entre nove e 16 anos de idade. Na maior parte dos casos, os abusos consistiram genericamente em toques nas zonas íntimas, “embora haja registos de formas mais invasivas”. Mas há também relatos que apontam para a ocorrência de abusos de cariz sexual em contexto de “acompanhamento individual”.

Estes oito casos resultam de um levantamento interno que recua a 1950, sendo que “o último caso conhecido remonta aos inícios dos anos 90”. O apuramento foi feito no âmbito do Serviço de Escuta da PPCJ, criado em Novembro do ano passado para “acolher, escutar e ajudar” possíveis vítimas de abuso sexual nas obras da Companhia de Jesus, onde chegaram duas denúncias, bem como da investigação interna desencadeada entretanto, “nomeadamente nos arquivos da PPCJ”.

“A informação sobre estes casos é muito escassa e pouco objectiva, sendo, por isso, muito difícil, sem relatos concretos das vítimas, perceber com clareza em que circunstâncias se deram os abusos, se foram ou não denunciados, e quais as diligências que foram tomadas em relação aos abusadores e às vítimas”, escreve a PPCJ, esclarecendo que, na maior parte das situações, os abusos não foram conhecidos na altura. A Companhia de Jesus assevera, porém, que, relativamente aos casos então denunciados, foram tomadas medidas “como o afastamento do suspeito ou o seu isolamento em casa religiosa com proibição do exercício de actividade apostólica”.

Podem existir mais vítimas

“A nossa primeira palavra não pode, pois, deixar de ser para com as vítimas, feridas na sua dignidade e marcadas física, emocional e espiritualmente por estes abusos. A estas pessoas, bem como às suas famílias, pedimos perdão pelos abusos sofridos e por não termos sido capazes, enquanto organização, de as proteger”, começa por escrever a PPCJ no referido comunicado, admitindo que possam “existir outras pessoas sofridas”, cujas histórias se desconhecem.

“Não temos ainda informação de que tenham existido processos judiciais ou canónicos. Infelizmente, não podemos assegurar que tenham sempre sido tomadas todas as medidas que hoje consideramos adequadas, nomeadamente no que diz respeito ao cuidado e protecção das vítimas”, escreve ainda aquela ordem religiosa, inscrevendo esta acção, de pesquisa e divulgação dos casos apurados, no esforço que está a ser feito para “erradicar o abuso sexual presente em variadíssimas áreas da sociedade, de modo a que este possa ser prevenido, denunciado e, na medida em que seja possível, reparado”.

A Companhia de Jesus entregou entretanto a informação recolhida ao Grupo de Investigação Histórica (GIH) da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica, liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, que está neste momento a fazer o apuramento dos casos em dioceses e instituições religiosas, e cujo relatório deverá ser divulgado em meados de Janeiro.

Dizendo-se “inteiramente disponível para colaborar de perto” com aquela comissão, a PPCJ pede a todos os que possam ter sido vítimas de qualquer espécie de abuso sexual nas suas obras que a contactem, por uma das seguintes vias: escutar@jesuitas.pt ou 217 543 085.

A Província Portuguesa da Companhia de Jesus detém várias “obras” que acolhem e desenvolvem actividades com menores e adultos vulneráveis, desde colégios (o das Caldinhas, em Santo Tirso, da Imaculada Conceição, em Cernache, São João de Brito, em Lisboa, e Centro Comunitário São Cirilo, no Porto, entre outros) a centros universitários, passando por paróquias, associações de voluntariado, instituições sociais e paróquias, num total de 30 instituições espalhadas por várias cidades portuguesas.

Em Outubro de 2018, e na sequência dos apelos de Francisco para garantir políticas de “tolerância zero” face aos abusos sexuais dentro da Igreja, a PPCJ tinha já divulgado um “manual de procedimentos” destinado a prevenir e a combater os abusos sexuais de menores nas instituições por si tuteladas. Naquele documento, estabelecem-se regras claras e universais sobre como agir perante uma suspeita de abusos, obrigando, por exemplo, a que as suspeitas de crimes sejam comunicadas ao Ministério Público.

As “conversas sexualizadas” foram proibidas e os quase mil colaboradores das instituições tuteladas pelos jesuítas portugueses passaram a ter um prazo máximo de 24 horas para agir, caso a vítima possa estar em perigo. Levar um menor a casa ou manter relações de amizade com ele nas redes sociais passaram a ser “atitudes a evitar”. Tal como o PÚBLICO noticiou, aquele manual de “bons tratos” foi feito entre Outubro de 2017 e Maio de 2018, e a sua aplicação às instituições tuteladas pelos jesuítas implicou a formação de 940 colaboradores e voluntários.

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