Posso culpar os corticoides pelo meu ganho de peso?

Olhando para as patologias onde se usam estes fármacos e para os seus efeitos secundários, podemos dizer que um hipotético aumento da massa gorda é o menor dos problemas.

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Alguns grupos populacionais parecem ter um risco inerentemente mais elevado de sofrerem deste ganho de peso: mulheres; jovens; fumadores e ex-fumadores Manuel Roberto

Nestes artigos já se falaram de muitos dos “cavaleiros do apocalipse” do ganho de peso como a menopausa, a pílula, a retenção de líquidos, o metabolismo, a tiroide, mas faltava um igualmente conhecido e quiçá o mais real deles todos: os corticoesteroides/glucocorticoides.

Estamos a falar de fármacos que possuem potentes propriedades anti-inflamatórias, imunomoduladoras e antineoplásicas, sendo utilizados de forma bem-sucedida no tratamento de uma série de doenças e condições, incluindo doenças autoimunes, reações alérgicas, exacerbações da asma, doença pulmonar obstrutiva crónica, transplantes, cancro, entre outras. E, sim, um dos efeitos secundários dos corticoesteroides é o ganho de peso (40 a 70% das pessoas reportam-no) e tal está bem documentado sobretudo com a sua utilização a longo prazo (acima de dois/três meses).

A questão do tempo de exposição a estes fármacos é muito relevante: já se observou um aumento de 4 a 8% do peso corporal em pacientes com artrite reumatoide com 5-10mg/dia de prednisona por mais de dois anos, bem como um ganho de peso igual ou superior a 3kg em 15% e 34% dos pacientes após três e seis meses de exposição a 20mg/dia de prednisona. Por outro lado, quando tomada por breves períodos (dez dias) e mesmo com quantidades assinaláveis (50mg prednisolona), podem não existir grandes mudanças no apetite e composição corporal. Adicionalmente, alguns grupos populacionais parecem ter um risco inerentemente mais elevado de sofrerem deste ganho de peso: mulheres; jovens; fumadores e ex-fumadores.

O binómio tempo-dose é de grande relevância, dado que de facto estes fármacos conseguem estimular o apetite a nível cerebral, aumentar a lipólise na gordura periférica, mas diminuir a nível central, originando com isso uma redistribuição do nosso tecido adiposo, com maior acumulação de gordura na face, parte posterior do pescoço e gordura visceral e a sua diminuição nos braços e pernas. Como tal, não é surpresa que esta lipodistrofia origine um risco três vezes superior de doença coronária, insuficiência cardíaca e enfarte.

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É importante igualmente perceber que existe a possibilidade de este ganho de peso ocorrer não pela toma dos fármacos per se, mas sim pelo consequente melhor controlo da doença. Um trabalho recolheu os pesos dos participantes até três anos antes do início do tratamento com glicocorticoides, com o objetivo de possuírem uma melhor baseline do peso corporal para poderem comparar com o peso ganho. Verificou-se que a exposição crónica a altas doses de glucocorticoides está associada a um ganho de peso, mas inferior ao que normalmente seria esperado: “Apenas” 40% dos participantes ganharam mais de dois quilos, comparativamente ao que seria o seu peso habitual. À medida que grande parte das doenças que necessitam de corticoesteroides vai progredindo, uma perda de peso é por norma observada. Quando se inicia o tratamento, verifica-se um ganho de peso que nada mais é do que uma normalização do peso, como resultado de um melhor controlo da doença. Uma das limitações da grande maioria dos trabalhos realizados neste âmbito é precisamente a utilização do peso antes da intervenção como baseline, peso este que pode estar anormalmente mais baixo devido à doença, fazendo com que o ganho de peso causado pelos fármacos aparente ser superior ao que realmente é.

Tendo em consideração que o ganho de peso é um efeito secundário largamente responsável pela pouca adesão ao tratamento farmacológico, torna-se crucial realizar ajustes na alimentação com o intuito de prevenir ou minimizar ao máximo este ganho de peso, até para reduzir o risco de todas as complicações metabólicas que podem surgir subjacentes ao mesmo. Para além disso, estes fármacos parecem favorecer também um pior controlo glicémico, níveis aumentados de colesterol e triglicerídeos, perda de massa muscular e de densidade mineral óssea, o que salienta a importância de uma moderada ingestão de hidratos de carbono, muita atenção com a ingestão e distribuição proteica, cálcio e vitamina D e, mais uma vez, da prática de exercício físico.

Em suma, olhando para as patologias em que se usam estes fármacos e para os seus efeitos secundários, podemos dizer que um hipotético aumento da massa gorda é o menor dos problemas. Por outro lado, é fundamental saber desde o início desta terapia que se já antes a manutenção do peso e massa gorda estava a ser difícil, a partir de agora, será ainda mais. Todos os efeitos nefastos na massa óssea, massa muscular e saúde metabólica devem ser assim a motivação para adoptar hábitos alimentares e de treino mais saudáveis e fazer o controlo de danos possível enquanto a medicação tiver de ser utilizada.

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