Do lado de dentro da escola

Falar da escola é um exercício difícil, já que a diversidade organizacional, curricular e pedagógica se sobrepõe a um padrão escolar.

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"Há imenso trabalho realizado nas escolas que não é incluído em horário algum" Daniel Rocha/Arquivo

No início de mais um ano letivo, é sempre possível identificar problemas, uns mais conjunturais, outros mais sistémicos, estando a questão da falta de professores omnipresente nos media. Muito se tem dito sobre isso, em Portugal e noutros países, admitindo-se que é um problema transversal a outras profissões.

E se, no início de um ano letivo, há algo de novo, gostaria de salientar neste texto aspetos que dizem respeito ao lado de dentro das escolas, sobretudo a vida que se observa em cada organização escolar, por mais técnica ou mesmo burocrática que possa ser em termos de administração e gestão.

Tudo começa com a complexidade da escola ou do agrupamento de escolas, numa simbiose de unidades com tipologias distintas, ofertas educativas diferenciadas e projetos pedagógicos específicos. Falar da escola é, assim, um exercício difícil, já que a diversidade organizacional, curricular e pedagógica se sobrepõe a um padrão escolar.

Apesar dos problemas, as escolas, seja no início do ano, dos semestres ou dos períodos letivos, seja ao longo do ano, vivem a intensidade quer do planeamento, na liderança de topo e nas lideranças intermédias, quer da planificação, ao nível dos conselhos de turma ou de outros modos de organização dos alunos.

No dia marcado para o início das aulas, há muito trabalho que já foi realizado, contabilizando-se, também, inúmeras reuniões, intensamente participadas. Quer dizer, assim, que há imenso trabalho realizado nas escolas que não é incluído em horário algum e sem o qual se perderia o hábito de “vestir a camisola”.

Há documentos estruturantes que foram objeto de análise, com destaque para o Projeto Educativo, para o Plano Anual de Atividades e para o Regulamento Interno, sendo ainda acrescentados o Projeto de Educação para a Cidadania, o Plano de Inovação, ainda em fase de apropriação pelas escolas, e o Plano de Autoavaliação.

Discutiu-se, de igual modo, a articulação curricular vertical e horizontal, flexibilizou-se o currículo e arquitetaram-se medidas de apoio pedagógico e medidas de educação inclusiva (universais, seletivas, adicionais).

Além disso, foram objeto de análise, sobretudo nos departamentos e/ou conselhos de turma, as aprendizagens essenciais, o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória e os critérios de avaliação das aprendizagens, tal como se vive intensamente, de modo transversal à sociedade, a transformação digital da educação, cuja caracterização transporta a escola e as salas de aula para novas formas de organização, incluindo alterações significativas nos modos de ensinar e aprender. É uma revolução pedagógica silenciosa que está em curso, para cuja aceleração a pandemia contribuiu bastante.

As escolas vivem de forma específica os seus projetos, acrescentando-lhes uma mais-valia que apenas é compreendida se devidamente valorizada a participação de docentes, alunos, assistentes, encarregados de educação, outros elementos da comunidade e profissionais que fazem parte de equipas qualificadas, com capacidade de intervenção nas mais diversas ações das escolas, por exemplo, no ensino profissional, em que as parcerias estabelecidas são fundamentais para uma aprendizagem profissional em contexto, nos apoios pedagógicos, que envolvem medidas muito diversas, reforçadas na pós-pandemia, de modo a responder à perda de aprendizagens, e na educação inclusiva.

Por conseguinte, a inclusão representa, sem dúvida alguma, a identidade das escolas através de projetos multidisciplinares, realizados por vários profissionais, em que não está em causa a competição dos resultados académicos, mas a personalização da aprendizagem e a promoção de uma cidadania direcionada para os problemas globais e respetivas respostas contextualizadas.

Não é sem sentido que a educação inclusiva e a equidade constituem, hoje em dia, a trave-mestra das políticas educativas transnacionais, largamente divulgadas pela ONU e pela UNESCO, entre outras organizações, reforçando a ideia de que a qualidade das escolas não depende tanto dos resultados académicos, por mais que sejam valorizados a nível internacional, caso da OCDE, por intermédio do teste PISA, mas sobretudo dos resultados sociais, em que aprender a viver juntos é um dos saberes focados no Relatório Delors.

Com efeito, a questão mais central para as escolas não é a de saber quão eficientes são, mas quão inclusivas se tornam pelas suas práticas de educação e formação, pois uma escola é construída pelas ideias e pelas ações de todos aqueles que fazem parte da comunidade educativa, por mais distanciamento que manifestem em determinados momentos.

No início de mais um ano letivo, muitas escolas estão a preparar-se para a avaliação externa, no âmbito do 3.º ciclo, iniciado em 2018 e suspenso por um período de tempo alargado na pandemia, e reatado em outubro de 2021, num processo em que a autoavaliação assume um lugar preponderante, porque sem avaliação interna não pode haver avaliação externa que tenha uma dimensão formativa. Para umas, é a continuidade de outras experiências de avaliação externa, para outras, incluindo escolas privadas, é o início de atividade totalmente nova e desafiante.

Apesar de tantos problemas, as escolas continuam na sua ação de educação e formação, desempenhando um papel fundamental no desenho de futuros, nos quais as crianças e os jovens viverão como adultos, não se esquecendo, decerto, dessa torrente de vida que faz de cada escola um lugar privilegiado de pertença pessoal e social.


O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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