Federer e o adeus ao ténis: “Já chorei, muito, é por isso que estou bem agora”

Em Londres, e a poucas horas do início da quinta edição da Laver Cup e de realizar o seu último encontro oficial, Roger Federer concedeu uma entrevista exclusiva à Eurosport.

Foto
Roger Federer Reuters/DYLAN MARTINEZ

Conduzida pela antiga tenista e especialista de ténis do Eurosport, Barbara Schett, com quem conviveu durante vários anos no circuito profissional a entrevista a Federer permitiu que o tenista suíço fizesse uma pequena retrospectiva da sua carreira e falou da retirada da competição, da importância da sua mulher, Mirka Vavrinec, nas suas maiores decisões, da última visita a Wimbledon, para as comemorações do 40.º aniversário do court central do All England Club, e de competir pela última vez ao lado de colegas e rivais.

Esta entrevista entre nós dois, para o Eurosport, é bastante emocional, não só para ti, mas também para mim, por isso desculpa se eu começar a chorar.
Okay, haveremos de conseguir. Já chorei, muito, é por isso que estou bem agora. Espero que não seja a nossa última entrevista, porque vou querer voltar aos torneios de ténis e ver as pessoas e a ti, ver, falar e conversar sobre ténis. Adoro. Não faço ideia quantas vezes ou quando, veremos.

Deste uma conferência de imprensa, aqui na Laver Cup, em que falaste da tua decisão em reformares-te. Como é que te sentes?
Acho importante para mim passar por isto, porque tenho muitas pessoas a quem agradecer. Quero voltar a ligar-me aos fãs novamente, que têm sido a espinha dorsal da minha carreira. Em todos os lugares onde fui tive a vantagem, de certa forma, de jogar em casa e sinto que isso é muito raro. Estou super-feliz por isso e eternamente agradecido. Anunciei também que queria ter uma oportunidade de estar por perto e não apenas simplesmente desaparecer.

Ao mesmo tempo, a Laver Cup permitiu-me estar aqui, com a equipa, talvez potencialmente tentar jogar também. Mas acima de tudo, passar novamente algum tempo com a ‘malta’, fazer parte da família do ténis, da comunidade e espero mesmo poder jogar na sexta-feira. Ter o Bjorn no banco é também qualquer coisa para mim - um sonho tornado realidade. Por isso, senti que era o lugar certo, a hora certa para fazer isso.

Quanto tempo levaste a escrever aquela carta e a colocar as palavras no papel?
25 tentativas e duas semanas, e a dada altura tinha um prazo para terminar, o que foi bom. Foi só enviar.

Pediste a opinião à Mirka?
Sim, claro. Para mim, foi muito emocionante, porque me permitiu olhar para trás, para a minha carreira e pensar no que queria dizer – e preparou-me igualmente para as entrevistas, que, pensei, iriam ser muito, muito difíceis e emocionais.

Quando é que essa decisão aconteceu exactamente? Acordaste uma manhã e disseste: ‘ok, é agora’. Como é que isso funciona? Quando é que se tornou definitivo? Falaste em alguns meses atrás…
Provavelmente viste-me em Wimbledon, o que foi uma viagem difícil para mim. Lesionado, a fazer trabalho de reabilitação, tentando voltar. Ainda me sentia activo, embora sem jogar, mas fiquei muito feliz por ir a Wimbledon. No court, disse ‘espero ver-vos no próximo ano’ e acreditava realmente nisso.

Nas semanas e dias que se seguiram, pude sentir que o meu joelho não estava a fazer o que eu queria. E foi aí que percebi que estava numa encruzilhada e tinha de decidir: arrisco tudo ou estou realmente feliz assim? Sempre disse que estava com tempo emprestado. Nesse momento, o gelo era muito fino e qualquer soluço poderia significar o fim e decidi que era agora. E aquele momento foi muito emocionante, muito triste para mim.

Sabias que essa seria a última vez que pisarias o Center Court?
Não, não. Sabia que poderia ser, mas ainda tinha esperanças de poder voltar. Foi uma linda comemoração. Foi por isso que estava feliz por estar ali. Mas quando deixei o court, não senti que era certo – não foi a razão pela qual fui a Wimbledon e senti que era importante a minha presença e o respeito ao clube.

Reflectindo agora sobre a tua carreira, cheia de sucesso. Do que mais te orgulhas, não apenas no ténis, mas também como ser humano, porque eu sinto que quando reflectes sobre isso, não te defines apenas pelo sucesso que tiveste.
Sinto que, desde o meu anúncio, estava à espera do clássico ‘uma grande carreira ou ganhou muitos encontros, ganhou isto, ganhou aquilo’, mas foi igualmente muito baseado em quem eu sou, quem eu era, o que represento para a modalidade. E apreciei isso porque sempre tive os pés no chão, tento ser o mais normal e o mais autêntico possível. E vou tentar ser igual assim o maior tempo possível. Sinceramente, não é uma coisa fácil de fazer aos olhos do público, porque, agora, há cada vez mais câmeras. E é difícil escapar para ter momentos privados, mas sinto que consegui gerir essa parte muito bem e ser feliz aos olhos do público. É claro que estava realmente entusiasmado novamente, afastar-me dos holofotes e ir para casa, para estar com a minha família e os meus amigos. Para mim, isso significava tudo e eu precisava desse equilíbrio. Acho que foi isso que me manteve mentalmente são nos últimos 20, 30 anos.

Há muita felicidade aí e isso é o mais importante, certo?
Acho que nos divertimos a fazer isso. É claro que vivemos anos em que ganhamos, vamos embora, ganhamos, vamos embora e continuamos a viajar e a tentar gerir o melhor que podemos – tomamos decisões erradas, decisões certas, optamos por diferentes rumos ao longo do caminho. E, de repente, bang, temos 25 anos ou algo assim e percebemos que não sabemos quanto mais anos nos restam no ténis. Em 2008, quando não me senti tão bem no início do ano, fui esquiar (e não esquiava há muito) porque pensei que estava no final da minha carreira, potencialmente, em três, quatro ou cinco anos. Então parei de esquiar e não esquio há 15 anos.

Para mim, esse foi o momento em que disse que tenho de começar a saborear e a celebrar mais as vitórias. Por pequenas que sejam as vitórias, ou grandes ou pequenos os títulos, nunca sabemos se será o último. Não que tenha de viver a vida assim, mas pelo menos tirar mais uma fracção de segundo, mais cinco minutos aqui, mais uma hora aqui, mais um dia aqui, mais uma semana aqui e podemos então começar a desfrutar muito mais do processo. E tive uns maravilhosos últimos 10/15 anos da minha carreira.

Jogaste alguns encontros incríveis e eu sei que é difícil escolher um, mas qual é o de que te mais orgulhas, onde sentiste que jogaste o teu melhor ténis de sempre? Sei que é difícil, mas tens que dizer um.
Para mim, a final do US Open contra o Leyton Hewitt [em 2004] foi especial; ganhei 6-0, 7-6, 6-0 – o que quase não acontece em finais de Grand Slam, em que descolamos assim no primeiro set, há uma oscilação no segundo e voltamos novamente a dominar no terceiro.

Para mim, esse encontro foi perfeito, estava no topo do mundo. Acho que foi o meu terceiro ‘slam’, era o número um mundial e mostrei ao mundo que era merecedor do número um do mundo. E foi contra um tipo que respeito mesmo muito e espero vê-lo novamente em breve.

Mas lutei realmente muito no início da minha carreira e chegar lá acima era, para mim, como uma tempestade perfeita. Sinto que, se olhar para trás, quase gostaria de jogar novamente esse encontro.

E o maior desgosto no court?
Provavelmente o torneio de Wimbledon de 2008 [vitória de Nadal, com 9-7 no quinto set]. Só pela forma como terminou, já escuro, com o Rafa... havia muito em jogo. Precisava de uma vitória e caiu para o lado dele. Foi um desgosto.

Essa foi uma rivalidade incrível. Pediste ao Bjorn para jogar pares, certo? Quão animado estás com isso? Vais estar super-nervoso, não? Com quem queres jogar?
Claro que estou nervoso. As pessoas pensam que não, mas há muito tempo que não jogo. Espero que o meu nível esteja bom. Meu Deus, as pessoas vão provavelmente esperar que eu jogue super-bem, mas isso não vai acontecer. Por isso, só espero que esteja mais ou menos bom. Não posso jogar singulares de forma nenhuma. Essa é uma das razões pelas quais eu não vou jogar em Basileia [cidade natal], neste momento é demasiado para o corpo. Claro que adoraria jogar com o Rafa. Acho que seria um belo momento, com dois rivais juntos, a jogar mais um encontro, do mesmo lado, será muito especial.

Estou realmente ansioso pelo fim-de-semana. Será especial ter o Novak e o Andy ali, Rudd e Tsitsipas, Norrie e Berrettini. Vai ser óptimo. Estou realmente ansioso por isso.

Sugerir correcção
Comentar