A legislatura vai até ao fim? PS tem histórico de “processos de implosão”, avisa Jerónimo

Jerónimo de Sousa, secretário-geral comunista, confirma que desta vez não existe nenhuma negociação fora do Parlamento tendo em vista a aprovação do Orçamento do Estado para 2023.

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Jerónimo de Sousa foi entrevistado pelo PÚBLICO e pela Renascença Daniel Rocha/PUBLICO

O líder do PCP duvida que Governo socialista dure os quatro anos inteiros que ainda faltam, apesar de ser uma maioria absoluta. Em entrevista ao PÚBLICO e à Renascença, Jerónimo de Sousa lembra que a história mostra que o próprio PS se encarrega de implodir-se e provocar crises de executivo.

Está a aproximar-se o OE2023 e o PCP perdeu influência institucional e política na sequência das legislativas. Já não há margem para negociar com o Governo e o PS nos próximos meses?
A negociação decorre do funcionamento normal da AR em que somos convocados para alertar para o que entendemos ser errado ou insuficiente e simultaneamente estarmos disponíveis para o apoio a medidas positivas que são necessárias para o país. Será esse o espaço e da nossa parte existe abertura, com propostas e iniciativa, mas não decorre qualquer negociação fora do Parlamento.

Estão estragadas as relações com António Costa? Havia uma relação pessoal?
No plano pessoal obviamente existe um relacionamento natural, civilizado, que se exige no debate parlamentar.

Já não é a mesma coisa?
Não, porque a vida veio dar razão ao PCP. Em relação ao OE2022 nós tínhamos três questões fundamentais — aumento dos salários, reformas e pensões; caducidade da contratação colectiva; o reforço dos serviços públicos, designadamente do SNS — que colocámos em cima da mesa numa perspectiva de evolução, dando conta do caminho que foi seguido nos últimos anos.

Entretanto já houve eleições. Tendo em conta que ficou reduzido a seis deputados, o PCP está em risco de desaparecer eleitoralmente? A prazo uma eventual saída da AR significaria uma espécie de regresso à clandestinidade? É um exagero?
Sim, sem dúvida. Embora desde a fundação do partido não imagina quantas vezes o governo fascista e a polícia política antes de Abril, claro anunciaram o fim do PCP. E aquilo era duro. Embora alguns quisessem [agora] criar esse ambiente, naturalmente que é uma situação totalmente diferente; não há comparação.

Das eleições, além de ter saído uma maioria absoluta, saiu também um crescimento da extrema-direita. Essa é uma preocupação para o PCP?
Continuamos a considerar que a questão central é que rumo queremos para o país numa perspectiva de desenvolvimento económico e social.

Vemos esses partidos a fazer crescer a sua base de apoio eleitoral, de militantes e simpatizantes. A militância e o recrutamento de pessoas para o partido, para o PCP está a tornar-se um problema?
Não e digo um não convicto.

Na resolução sobre a conferência, há várias passagens sobre a necessidade de reforço de militantes, da formação de novos quadros. Há aqui um alerta sobre a sobrevivência do partido? Precisa de sangue fresco para não desaparecer?
Não. Mesmo quando conseguíamos resultados eleitorais bons, o nosso objectivo de reforço do partido continuava a ser uma linha estratégica fundamental. A militância tem de facto um mérito democrático de intervenção, participação em iniciativa na vida nacional. Este ano, cerca de 2000 novos militantes aderiram ao partido, curiosamente vêm muitos jovens.

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No ano do centenário tinham como objectivo angariar 5000 novos militantes. Conseguiram? Agora a resolução fala em mil este ano: não é baixar os braços?
As contas não faço com rigor, mas este é o número mais recente: 2000.

E quantos saíram?
Não tantos quantos se pensa. Não andamos a contar cabeças. Não saíram 2000 de certeza. Obviamente, [há] inquietações, participações em reuniões com sentido crítico, mas nós temos uma confiança muito grande nessa militância. E temos prova provada. Creio que a Festa do Avante!, em matéria de militância, tem uma característica ímpar em termos de construção e realização, num quadro de ofensiva, minimização e apoucamento da Festa, e até ameaça.

Por causa da posição em relação à Ucrânia?
Não é nada por causa da posição sobre a Ucrânia; é porque o partido continua a ser o inimigo principal dos grandes interesses.

Está a falar do preconceito anticomunista.
É verdade. Aliás com esta contradição: o secretário-geral do PCP anda [na rua] como qualquer cidadão: as pessoas falavam-me, dirigiam-se às vezes até com sentido crítico fosse em relação à Ucrânia ou outra matéria, mas de uma forma geral há uma estima que não se perdeu e uma ideia muito enraizada — pode ser carregada de subjectividade, admito: é que o PCP faz falta à democracia portuguesa.

A esta distância, alguma vez se arrependeu de não ter tido uma posição menos defensiva da Rússia e mais assertiva contra a guerra?
Não. Nós gostamos de tomar posição com seriedade e sustentabilidade. Podemos não acertar sempre, mas em nome do rigor e da verdade, nós avaliamos o problema, discutimos colectivamente e tomamos posição. Essa coisa de beneficiar a Rússia… eu fico espantado porque o documento do Comité Central deste fim-de-semana demonstra que o que é necessário é uma solução política que termine com a guerra e que esse esforço de procura da paz é onde se encontrará o PCP. Não me venham dizer que esta posição de defesa da paz é assim tão absurda a não ser que já se considerem as declarações, por exemplo, do Papa, como absurdas quando defende a paz.

Mas faria tudo nos timings em que o PCP fez?
Faço aquilo que constitui perspectiva e orientação do partido onde me revejo porque participei.

O Presidente começou a fazer pressão para que o Governo antecipe o macroeconómico que acompanhará o OE2023. Também tem esta pressa?
Acho que é uma curiosidade natural de todos nós, não só as perspectivas macroeconómicas, mas tudo o que decorre delas.

Faltam três semanas, qual é a pressa?
Qual é a pressa? O Governo vai ter um problema: explicar aos portugueses, mesmo nessa visão macro [que depois, trocado por miúdos, se reflecte em medidas], o que vai fazer nos aumentos da função pública, sobre o SNS e Segurança Social. Isto precisa de resposta.

Também está convencido de que o crescimento económico vai desacelerar em 2023?
Não sou economista. Esta perspectiva que o Governo apresenta e as declarações, incluindo de ministros, demonstram que isto pode ir para uma situação mais difícil, mais agravada e isso não descansa nem alegra ninguém. Quais são as opções do Governo? Em termos de crescimento económico… enfim... para bem do meu país espero que esteja enganado. O Governo deveria procurar resolver os problemas e não os mitigar com medidas avulsas.

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Já vamos em meio ano de maioria absoluta. Estava à espera que Marcelo fosse um contrapeso entre o país real e o Governo, ou está contente com este quase passeio no parque a dois?
O Presidente, nalgumas coisas, é sempre imprevisível, mas nestes últimos tempos tem desenvolvido uma intervenção com conteúdos que mais se aproximam do PSD do que do PS.

É o factor Montenegro?
É o factor direita, de alternância que, com certeza, Marcelo Rebelo de Sousa pretenderá. Eu não quero fazer juízos de valor, mas a verdade é que se nota aqui um reajuste para contribuir para o reforço do PSD.

Temos uma maioria absoluta que, se tudo correr normalmente, durará quatro anos. Acredita que a legislatura vá ser cumprida ou a crise e a tensão social ou o Presidente ou uma qualquer decisão do primeiro-ministro ou tudo misturado pode encurtar os prazos?
Ou o próprio PS... Naturalmente sabemos que fundamentalmente está nas mãos do Governo do PS persistir e prosseguir ou não. Digo isto porque olho para o passado, para as maiorias absolutas, incluindo do PS, onde, por um processo de implosão, aconteceu o que aconteceu.

Então não descarta que a legislatura possa ficar a meio do caminho?
É evidente que há factores que não dominamos e que acontecem. Não quero fazer aqui uma sessão de espiritismo a fazer previsões.

O PS é muito plural, tem muitas tendências: isso pode ser motor de uma mudança qualquer?
Insisto: não faço futurologia, mas há aqui uma experiência histórica recente, desde os anos de Abril, a partir do primeiro Governo de Mário Soares. Mesmo com resultados eleitorais substanciais, houve processos de crise interna, de pulverização, que levaram o PS a fazer uma cura de água — chegou a direita a governar. Actualmente, existe uma maioria absoluta do PS. De pedra e cal? O PS diz que sim, mas eu continuo a considerar — e não é por causa da acção do PCP, do Bloco ou até mesmo do Chega ou da IL — que ou o PS dá resposta aos problemas nacionais, dos trabalhadores e do povo, ou sofrerá as consequências e a erosão que resulta de uma política social que não corresponde àquilo que são aspirações profundas da população.

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