A competência é uma esperança sem garantia

Ocorreu-me esta frase, a propósito da nova equipa do Ministério da Saúde e do Diretor Geral Executivo do SNS. Confesso que fiquei tão agradado como surpreendido.

A renomeação de Marta Temido e do seu secretário de Estado, num Governo de maioria absoluta, pareceu-me traduzir o desejo de continuidade, sem grandes abanões reformistas. Mas a crise das urgências de Obstetrícia abriu uma autêntica caixa de pandora! Afinal, a dependência dos novos médicos tarefeiros especialistas é uma realidade em múltiplos serviços do SNS, desde a Pediatria, à Neurologia, à Cardiologia e à Anestesiologia, só para falar nos mais propalados.

Os serviços, coartados da sua já exígua capacidade de contratação, sob as ordens feéricas do Ministério das Finanças, a que se alia a estagnação das carreiras médicas a todos os níveis durante mais de 12 anos, foram espoliados de tal forma que nalguns até a capacidade formativa está posta em causa! Empurrada para a porta de saída, após mais uma morte inesperada de uma grávida em transferência inter-hospitalar, a ministra fez beicinho e pediu a demissão, que teve aceitação imediata. Talvez tenha sido demasiado rápida, para quem lhe tecia tantos elogios e a tinha catapultado a estrela do partido. Enfim, tudo é efémero nos tempos que vivemos!

Não há falta de conhecimento ou competência da parte dos novos decisores nomeados pelo Governo para tratarem da saúde dos portugueses. O dr. Manuel Pizarro é um médico especialista em Medicina Interna e bastar-lhe-á isso para compreender as necessidades dos seus doentes envelhecidos, com múltiplas doenças e com terríveis carências sociais, que muitas vezes os levam a permanecerem meses nos hospitais de agudos, à espera de uma vaga no lar ou na Rede Nacional de Cuidados Continuados. Alia a essa experiência vivida um peso político inegável construído ao longo dos anos, agora reforçado pela sua disponibilidade para sair do conforto de Bruxelas e vir ajudar o Governo a sair desta enrascada da saúde, que teima em não sair das manchetes dos jornais há mais de três meses.

A dra. Margarida Tavares, secretária de Estado de Promoção da Saúde, é médica fnfeciologista da DGS, com intervenção de relevo na pandemia de covid-19 e no surto “monkeypox”. A sua experiência no contexto pandémico deu-lhe, com certeza, uma especial capacidade para encontrar soluções e a noção clara das fragilidades do SNS.

O dr. Ricardo Mestre é economista de formação, mas é um proeminente especialista na Administração Hospitalar, a exercer funções como subdiretor geral da DGS desde Junho deste ano, tendo sido vogal executivo da ACSS desde 2016 a 2021, o que lhe dá um conhecimento profundo de todos os hospitais do país.

Não tenho nenhuma simpatia pelo cargo criado por Marta Temido de diretor geral executivo do SNS. A leitura do Decreto-Lei do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, no qual a Direção Executiva do SNS é definida, está longe de ser esclarecedora. Afinal, qual é a sua autonomia e capacidade de decisão? Como se faz a articulação com o ministro da Saúde e com as ARS? Portanto, pareceu-me ser um tique centralista, para nada resolver, eventualmente a ser ocupado por uma figura messiânica, que primeiro acalmasse os ânimos e depois arcasse com as culpas, se as coisas corressem mal. A escolha do dr. Fernando Araújo, já com experiência anterior como secretário de Estado da Saúde, pergaminhos consolidados na gestão dum dos maiores hospitais do país, defensor acérrimo dum SNS eficiente e de futuro, com tantos artigos publicados acerca das mudanças estruturais inadiáveis, dá-me esperança! Quem o convidou, deve saber aquilo que ele defende e deveria sentir-se obrigado a dar-lhe os meios para o cumprimento dessa missão. Mas, nos tempos de hoje, nem sempre há esta seriedade nos propósitos. É legítimo ter esperança com a pessoa certa, mas não estão garantidas as reformas que o SNS precisa.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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