“Don’t. Don’t. Don’t.” Joe Biden avisa Putin sobre uso de armas nucleares

Presidente russo diz que o país não está a lutar na Ucrânia com todo o seu Exército e que ainda pode intensificar a ofensiva. Líder americano promete resposta “consequente” em caso de ataque nuclear ou químico.

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Vladimir Putin participou esta semana numa cimeira asiática onde reuniu com o primeiro-ministro indiano e o Presidente chinês FOREIGN MINISTRY OF UZBEKISTAN/Reuters

O que diria Joe Biden a Vladimir Putin se o líder russo estivesse a ponderar o uso de armas químicas ou nucleares na guerra com a Ucrânia? “Don’t. Don’t. Don’t.” Foi esta a resposta que o Presidente dos Estados Unidos deu à pergunta que lhe fez um jornalista do 60 Minutes, programa da televisão americana CBS.

Com apenas uma palavra repetida três vezes, que se pode traduzir por “não o faça”, o líder americano lembrou a doutrina que vigorou durante toda a Guerra Fria e dissuadiu Estados Unidos e União Soviética de enveredarem por um conflito nuclear – a destruição mútua assegurada.

Esse princípio não se alterou, deu Biden a entender. Quando questionado sobre como reagiria o seu país ao uso de uma bomba nuclear táctica pelos russos na Ucrânia, o governante escusou-se a responder, mas garantiu que seria uma resposta “consequente”. “Acha que eu lhe diria se soubesse exactamente o que seria? Claro que não lhe vou dizer. Seria consequente. Eles tornar-se-iam mais párias do que alguma vez foram e, dependendo do que fizessem, nós determinaríamos que resposta haveria”, disse Biden.

A ameaça de uma escalada nuclear tem pairado de forma mais ou menos latente desde o início da invasão russa da Ucrânia. Agora a discussão ressurge porque a Rússia tem sofrido contratempos no terreno e o Kremlin está a ser alvo de críticas de analistas e comentadores nas redes sociais e nos canais de televisão estatal, alguns dos quais têm sugerido o uso de armas nucleares tácticas no conflito.

Michael McFaul, que foi embaixador dos Estados Unidos em Moscovo, disse ao The Washington Post que considera que Putin “não é louco a esse ponto” e que sabe que uma decisão dessas o tornaria “um pária global”, dinamitando inclusivamente as relações com países que se têm mostrado próximos da Rússia, como a Índia e a China.

Esta semana, em dois encontros com os governantes desses dois Estados, houve sinais de que a proximidade pode não ser assim tanta, pelo menos no que à guerra diz respeito. “Eu sei que a era de hoje não é uma era de guerra e já falei consigo ao telefone acerca disto”, disse o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, no princípio de uma reunião com Putin em Samarcanda, no Uzbequistão. “Eu conheço a sua posição sobre o conflito na Ucrânia, as preocupações que expressa constantemente”, respondeu Putin. No dia anterior, o líder russo dissera entender “as dúvidas e preocupações” manifestadas por Xi Jinping, o Presidente chinês, relativas à Ucrânia.

Logo ao quarto dia de guerra, Vladimir Putin ordenou às chefias militares que pusessem as forças nucleares em alerta máximo, mas até ao momento não fez menção pública de as utilizar. Na sexta-feira, o chefe de Estado acusou a Ucrânia de cometer “actos terroristas” em território russo e prometeu intensificar a retaliação. “Temos respondido de forma bastante contida, mas isso é por agora. Se a situação continuar a desenrolar-se desta forma, a resposta será mais séria”, ameaçou Putin.

“Não estamos a lutar com todo o nosso Exército”, acrescentou o líder russo, desvalorizando os recentes avanços ucranianos na região de Kharkiv: “O principal objectivo é a libertação de todo o território do Donbass. Este trabalho continua apesar dessas tentativas de contra-ofensiva do Exército ucraniano. O Estado-maior considera algumas coisas importantes, outras secundárias, mas a principal tarefa continua a ser a mesma, e está a ser levada a cabo.”

Arsenais nucleares crescem

Estima-se que a Rússia tenha cerca de 6000 bombas atómicas, das quais umas 1912 serão ogivas nucleares tácticas, bombas de curto alcance cuja criação assenta na premissa de que as armas nucleares podem ser controladas e usadas para ataques precisos em campos de batalha. Essa ideia nunca foi testada em situações bélicas reais e os especialistas dizem que é errada. “Durante anos, as armas nucleares foram vistas como demasiado horrendas para serem usadas, eram vistas apenas como armas do fim do mundo. Torná-las mais ‘utilizáveis’ é perigoso e irresponsável”, dizia ao PÚBLICO no ano passado a directora-executiva do Vienna Center for Disarmament and Non‑Proliferation (VCDNP), Elena Sokova.

Há sinais que indiciam uma nova corrida ao armamento nuclear. Ainda que entre o início de 2021 e o início de 2022 se tenha registado uma ligeira descida do número de ogivas a nível mundial, “todos os Estados com armas nucleares estão a aumentar ou a melhorar os seus arsenais e a maioria está a exacerbar a retórica nuclear e o papel que estas armas desempenham nas suas estratégias militares”, alertou este Verão o responsável pelo programa de armas de destruição maciças do Stockholm International Peace Research Institute, Wilfred Wan, que se dedica à monitorização dos arsenais nucleares.

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