Interdição do uso de metadados “é trágica” e “inviabiliza investigação criminal”, diz director da PJ

Luís Neves foi ouvido esta quinta-feira no Parlamento.

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O director da PJ está a ser ouvido no Parlamento Daniel Rocha

A invalidação, pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, da utilização de metadados “é retrógada” e “inviabiliza a investigação criminal” de uma panóplia de crimes que vão desde os abusos sexuais ao fogo posto, passando pelos homicídios e pelo terrorismo, avisa o director nacional da Polícia Judiciária (PJ), Luís Neves. Para este responsável, vive-se por isso nesta altura um momento trágico no que respeita a protecção das vítimas de crimes. Um momento de “retrocesso civilizacional”.

O chefe máximo da PJ está a ser ouvido esta quinta-feira no Parlamento sobre o tema numa altura em que o Governo prepara nova legislação destinada a contornar o problema criado pelo chumbo da lei dos metadados pelo Tribunal Constitucional em Abril passado, na sequência de o Tribunal de Justiça da União Europeia ter decidido, já em 2014, que a directiva europeia que permitia aos órgãos de polícia criminal acederem, de forma indiscriminada e sem restrições, aos metadados conservados pelas operadoras de telecomunicações durante o prazo de um ano violava a privacidade dos cidadãos.

Os metadados permitem saber quem ligou ou enviou mensagens a quem, durante quanto tempo e em que zona estava quando o fez, e não o conteúdo das telecomunicações. A decisão do Tribunal Constitucional surgiu depois de a Provedora de Justiça ter pedido aos juízes do Palácio Ratton para se pronunciarem sobre o assunto, uma vez que o Ministério da Justiça não se tinha disposto a alterar a lei no sentido de a adaptar às exigências do Tribunal de Justiça da União Europeia.

Houve quem considerasse o acórdão do Constitucional devastador e catastrófico – não só para o desfecho de futuras investigações mas também porque os juízes conselheiros declararam que esta decisão teria efeitos retroactivos, o que poderá vir a implicar a libertação de pessoas já condenadas e a cumprir pena com base apenas em provas deste género, em metadados fornecidos às polícias pelas operadoras de telecomunicações.

Em vigor desde 2009, a lei declarada inconstitucional obrigava as operadoras de telecomunicações a conservar os dados relativos às comunicações de todos os seus clientes durante um ano, para o caso de as autoridades precisarem de aceder a eles. Considerada insuficiente por Luís Neves, a proposta do Governo deixa cair esta obrigação de conservação dos dados durante um ano por parte das operadoras e prevê que as autoridades possam aceder apenas aos dados de facturação durante seis meses - sendo que o grupo parlamentar do PS já admite que o acesso a eles para fins de investigação criminal só seja permitido por três meses.

Explicando que as posições que assumiu perante os deputados da Comissão Parlamentar de Direitos, Liberdades e Garantias é partilhada pelos restantes órgãos de polícia criminal, o director da Judiciária defendeu que quem investiga a criminalidade não deve ficar para isso dependente das operadoras de telecomunicações. E traçou um cenário que considerou catastrófico: “E se um dia, por uma questão de negócio, elas decidirem deixar de guardar estes dados? O país fica despido”, considerou. Daí a necessidade, no seu entender, de se pensar em usar instrumentos alternativos de acesso aos metadados que não passem pelas operadoras.

Questionado por deputados da oposição sobre a quantidade de investigações que possam ter sido comprometidas com a declaração de inconstitucionalidade, Luís Neves não deu nem números nem sequer percentagens: “Não temos esses números, só uma ideia”. Mas garantiu que vai levar o tema à próxima reunião de chefias de polícia da Europol, que se realiza no mês que vem.

Para ilustrar a importância do acesso das polícias aos metadados, deu o exemplo de um violador em série que só foi apanhado porque vigiava as suas vítimas antes de as atacar. Como nessa altura a lei ainda estava em vigor, foi possível ligá-lo aos locais onde tinham estado as vítimas, através da localização celular. Desde Abril que isso deixou de ser possível. Às polícias resta a possibilidade recorrerem à facturação detalhada dos suspeitos e, em princípio, aos endereços de protocolo da Internet, os chamados IP's. “Em que patamar fica a realização da justiça? A resposta que temos de dar às vitimas? Onde fica a realização da segurança, que é um bem superior à reserva individual de cada um? Onde param os direitos das vítimas? E os dos suspeitos?”, interrogou.

Luís Neves considera “uma aberração” a possibilidade aberta pelo Tribunal de Justiça da União Europeia de aproveitamento selectivo de metadados pelas autoridades, com base em critérios geográficos - um bairro, por exemplo - ou no cadastro de determinado suspeito, sob pena de estigmatização de certos grupos da população. “É absolutamente inconstitucional”, observou.

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