A Quinta-Feira de Xi Jinping e Putin

A crescente força de dois blocos antagónicos deixa-nos mais perto de uma guerra eternamente fria do que de uma paz silenciosamente duradoura.

Reúne-se, esta quinta-feira, a Organização para a Cooperação de Shangai (OCS). Desconhecida da maioria do público ocidental, esta organização representa a cooperação militar de países como a China, a Rússia, a Índia, o Irão, entre outros quatro – aos quais se juntam parceiros de diálogo como a Turquia (o único que é simultaneamente membro da NATO), o Catar, a Arábia Saudita e os ASEAN.

Para os que desconhecem a organização, e de uma forma muito sintética, o resumo da missão desta organização prende-se com a construção de uma alternativa às organizações ocidentais formadas no pós-Segunda Guerra Mundial com o objetivo de construir um mundo mais seguro, mais produtivo e mais pacífico.

Infelizmente, e como seria de esperar pela sua própria composição, as principais posições assumem, precisamente, um teor antiocidental que em nada abona a favor da paz ou da cooperação.

Para esta quinta-feira, 15 de setembro de 2022, está prevista “a maior cimeira de sempre” da OCS no Uzbequistão, na cidade de Samarkand. Naquele que é o maior centro de congressos da Commonwealth dos Estados Independentes (formados pela Rússia e países vizinhos e cooperantes) há, desde logo, um sinal muito importante: é que este hub turístico foi precisamente construído e financiado pela Nova Rota da Seda (iniciativa do Cinturão e Rota ou Belt and Road Initiative, em inglês) – o maior investimento de infraestrutura global que integra cerca de 150 países e organizações internacionais, financiado pela República Popular da China.

A influência chinesa na organização é notória, tanto porque a sede se situa em Pequim como pelo facto de o atual secretário-geral, o reputado diplomata Zhang Ming, ser chinês, e tal deve ser reconfirmado esta semana. É que, ao mesmo tempo que as fontes diplomáticas chinesas garantem que o Presidente chinês não tem qualquer reunião bilateral com o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, não têm qualquer pudor em afirmar e publicitar que Xi Jinping se encontrará com o seu homólogo russo a quem, em Fevereiro, à margem dos Jogos Olímpicos de Inverno, prometeu ‘uma parceria sem limites’. Ao mesmo tempo, o Presidente turco, Racep Erdogan, fez já saber que estará presente na cimeira, tendo desconfirmado os rumores que davam certa uma reunião entre este e o Presidente da Síria, Bashar Al-Assad – algo que seria um revés na já conturbada política externa turca para a região, mas isso ficará para uma outra rubrica. É, ainda assim, importante assinalar que Erdogan será o único líder da NATO presente na reunião, confirmando a sua audaz tentativa de fiel da balança na escalada de tensão vivida entre o ocidente e o oriente.

Enquanto indianos e turcos procuram, ainda, o seu verdadeiro papel dentro da organização, russos e chineses têm já bem delineados os seus objetivos para esta cimeira. O secretário do Conselho da Segurança Nacional da Rússia, Nikolai Patrushev, deverá apelar a que todos os países se unam para ‘adaptar a organização com vista ao fim de um mundo unipolar ocidental’ – visão que já mereceu o aval do secretário-geral chinês e que reflete bem o significado da prometida parceria ilimitada. Por outro lado, Xi Jinping aproveitará a reunião, naquela que é a sua primeira visita ao estrangeiro desde o início da pandemia, para promover as ambições estratégicas do país na região. A China entende, assim, a guerra na Ucrânia e o seu apoio tácito à Rússia como uma oportunidade para estabilizar a Ásia Central, ocupando o espaço deixado pelos russos que ficarão à sua mercê, e daí partindo para novas investidas globais.

Esta quinta-feira será, portanto, tão determinante para a Ásia como para o mundo. De lá resultará, muito provavelmente, uma linha mais dura contra o Ocidente, onde a questão de Taiwan servirá para a China justificar o seu silêncio sobre a Ucrânia – muito embora saibamos que as verdadeiras razões são as acima enunciadas.

Assim, pelo final da semana restará apenas uma certeza: é que a crescente força de dois blocos antagónicos nos deixa mais perto de uma guerra eternamente fria do que de uma paz silenciosamente duradoura.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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