Não nos insulte, senhor primeiro-ministro

Tenha coragem para encetar uma reforma assertiva, sem amarras ideológicas nem demagogia. Foque-se no essencial: nas pessoas e nas condições em que trabalham os profissionais que lhes prestam cuidados de saúde, independentemente das tarefas que desempenham.

“Lisboa tem muito a aprender com o Porto em matéria de organização dos serviços de saúde”. A afirmação é insultuosa, provocatória e grave. Mais grave ainda é ter sido proferida pelo primeiro-ministro. Quando o país vê o sistema de saúde a atravessar uma crise gravíssima, espera-se de um chefe do Governo caminhos e soluções. Ao invés disso, o senhor primeiro-ministro decide insultar os profissionais de saúde, os mesmos que têm evitado o iminente colapso do sistema.

As palavras de António Costa são instigadoras de desagregação e desunião. É bom que se perceba que todos nós, profissionais de saúde, temos as mesmas responsabilidades. A Norte ou a Sul, temos o mesmo sistema e obedecemos às mesmas regras. O que não parece funcionar de igual modo são as Administrações Regionais de Saúde. Essas, sim, correm a velocidades diferentes, o que imprime dinâmicas diferentes às unidades que tutelam.

Senhor primeiro-ministro, talvez o problema não esteja nos profissionais de saúde que herculeamente mantêm os serviços a funcionar. Os anos que tem de exercício em cargos governativos já lhe deveriam ter permitido adquirir a experiência necessária para conseguir fazer um diagnóstico real do momento por que estamos a passar. Um diagnóstico imparcial, sem lentes partidárias ou politização.

O diagnóstico é este: 1,2 milhões de pessoas sem médico de família; mais de 61 mil pessoas a aguardar por cirurgia há mais de seis meses; encerramentos diários de serviços de urgência; menos 15 mil partos realizados no Serviço Nacional de Saúde nos últimos dez anos; fuga de profissionais de saúde para o estrangeiro.

Perante este diagnóstico, existe apenas uma terapêutica: coragem para reformar. E para reformar, senhor primeiro-ministro, precisamos de união, não de fragmentação.

O país mudou. Envelhecemos mais e temos mais doenças crónicas. Por outro lado, temos um setor privado mais robusto e assistimos à saída de jovens profissionais de saúde do país, à procura de melhores condições de vida e de valorização profissional. Ora, não é possível manter o Serviço Nacional de Saúde alheado disto, como se não tivessem passado 43 anos desde que foi criado. Os serviços têm de estar adaptados a esta nova realidade.

Senhor primeiro-ministro, tenha coragem para encetar uma reforma assertiva, sem amarras ideológicas nem demagogia. Foque-se no essencial: nas pessoas e nas condições em que trabalham os profissionais que lhes prestam cuidados de saúde, independentemente das tarefas que desempenham.

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