Angola, a sombra de um sonho

Nestas eleições, o povo e o mundo viram que Angola precisa de um “milagre” para “desamordaçar” a verdade. Pela primeira vez, na história da nossa escanzelada participação cidadã, o povo levantou-se e tomou conta do seu voto de forma pacífica.

A vida dos angolanos tem sido, desde 1975, uma luta pela sobrevivência, em todos os sentidos. Havia a esperança de que a paz iria construir um país para todos, sem pobreza e sofrimento extremos e que o povo iria ser acolhido com dignidade pelo renascimento da economia, com escola primária e saúde de qualidade, acesso à água potável e a salvaguarda da integridade dos filhos. Enfim, iríamos conhecer o rosto do desenvolvimento. Vinte anos depois da instauração da Paz, a vida do povo é uma agonia. Não foram criados programas realistas e sustentáveis para ajudar a diminuir o sofrimento diário, a exemplo da FOME, esgotos, dois milhões de crianças excluídas da escola a cada ano e as milhares de crianças seropositivas sem tratamento no corredor da morte, entre outros. A vida dos que têm menos é um acto de coragem que desafia a Física, a Lei de Murphy, a Matemática, o Espírito Santo e todos os limites. A corrupção roubou-nos a Pátria. De acordo com a estatística oficial, produzida pelo INE/UNICEF, “apenas 1% das crianças, dos 0 aos 17 anos, não é afectada por nenhuma dimensão da pobreza em Angola.”

O MPLA tornado vencedor por instituições militantes, CNE e Tribunal Constitucional (o TC “salvo” pela Honra e Ética da Juíza Josefa Webba Neto que no voto de vencida disse que “não se pode decidir sobre o que não se viu”), teve uma “vitória” pírrica. Os culpados da derrota foram a morte da humildade e a falta de cumprimento das promessas eleitorais de 2017 (eleições autárquicas, combate à corrupção não selectiva, mídia pública livre e a despesa rigorosa e prioritária). As outras foram o excesso de Estado das chefias que banalizam a República; a arrogância dirigente de quem fala como se o povo fosse seu subordinado; o discurso da vitimização onde o culpado é o colono, a oposição, a contingência internacional, os sindicatos não alinhados, a divida chinesa, os malianos, a taxa de fecundidade, entre outros, nunca assumindo a ineficiência, ausência de fiscalização dos programas públicos milionários e tão ineficazes como um carro sem motor; a incapacidade para inovarem; a ausência de um sentimento de pertença e por isso quando saem do cargo vão viver no país onde está a sua maior conta bancária; a falta de visão da liderança, sendo este o maior entrave ao desenvolvimento, pois é o sonho do Líder que cria o país e define as opções estratégicas da governação.

Nestas eleições o povo e o mundo viram que Angola precisa de um “milagre” para “desamordaçar” a verdade. A luta não foi entre partidos. Pela primeira vez, na história da nossa escanzelada participação cidadã, o povo levantou-se e tomou conta do seu voto de forma pacífica. Vimos o protesto do cartão vermelho passado pela abstenção, de quem sente que, mesmo que todos os eleitores ficassem na UCI e não votassem, o MPLA ganharia, tal é o estado de descrédito eleitoral. Os angolanos que se levantaram são ANGOLA, extrapolaram a apertada dimensão partidária e votaram numa opção de alternância. A maioria não é sequer militante, mas percebeu que a disrupção é imprescindível e inadiável para garantir um país para todos.

Ouvimos o Alarme Social contra a postura desajeitada, ineficiente, arrogante e mal-educada que o Governo adoptou no primeiro mandato, que dividiu e ofendeu os angolanos (a exemplo dos bons militantes e marimbondos, médicos do bem e médicos do mal, por defenderem melhores condições de trabalho, ou a sociedade civil definida como lúmpen e bandida por discordar das opções sem sentido) com uma linguagem inaceitável para quem queria ser Presidente de todos. Um mandato ensombrado por uma gestão opaca do erário, que desprezou, de forma olímpica, a emergência das necessidades elementares de milhões de pobres.

A atitude da Geração ANGOLA não é conivente, tem indisciplina associativa e decidiu sair do país dos abandonados onde vive há anos. Dos 33 milhões de angolanos, 80% tem menos de 34 anos. Esta população jovem, informada e farta rejeita a governação feita por baixo do tapete e exige Direitos Humanos. São imunes à dor, às balas e aos canhões de água quente. Sonha em substituir a “apodrecida democracia” angolana por uma “humanocracia” onde o poder seja transversal e privilegie a felicidade e bem-estar das pessoas, recusando a governação musculada isenta de consenso. O povo são milhões e “contra milhões, ninguém combate”, verdade inquestionável que aprendemos com o MPLA durante 47 anos, sendo este um dos seus principais lemas.

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