Governo continua sem esclarecer o que acontecerá às pensões em 2024

Ana Mendes Godinho lamenta “aliança de todos os partidos” contra solução que, diz, garante a sustentabilidade da Segurança Social e mantém tabu sobre o valor do indexante de apoios sociais em 2023.

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Ana Mendes Godinho, ministra do Trabalho e da Segurança Social, recusa-se a falar em corte de pensões e mantém tabu sobre 2024 LUSA/TIAGO PETINGA

A ministra do Trabalho e da Segurança Social, Ana Mendes Godinho, continua sem assumir o que acontecerá às pensões em 2024 e lamenta que haja uma “aliança de todos os partidos” contra uma solução que, na sua perspectiva, garante a sustentabilidade e a confiança no sistema de Segurança Social.

As declarações foram proferidas nesta quarta-feira, durante uma audição parlamentar que se iniciou com um duelo entre PSD e o Governo quanto à existência ou não de um corte no rendimento dos pensionistas a partir de 2023.

Em causa está a decisão tomada pelo Governo na semana passada que reparte o aumento das pensões no próximo ano por dois momentos. O primeiro é já em Outubro, quando a maioria dos pensionistas portugueses (ficam de fora apenas os que recebem mais de 5318,4 euros por mês) irão receber, de forma extraordinária e não repetível, um complemento correspondente a metade da sua pensão. O segundo momento será em Janeiro de 2023, quando haverá um aumento das pensões mas, em vez de aplicar a fórmula automática prevista na lei que conduziria a aumentos entre 7,1% e 8%, o Executivo propõe-se fazer uma actualização entre 3,53% e 4,43%, ou seja, praticamente metade.

Na abertura do debate, o deputado social-democrata, Nuno Carvalho, foi directo ao assunto, tentando perceber o que acontecerá às pensões no futuro: “Os pensionistas vão ter um corte nos seus rendimentos?”

A ministra recusou que haja uma corte nas pensões e reiterou que, somando o apoio extraordinário aos pensionistas a pagar nos dias 8 e 19 de Outubro com a actualização das pensões em 2023, “é cumprido exactamente aquilo que estava previsto, em termos de valor, da aplicação da fórmula de actualização das pensões”.

Isso é válido para 2023, mas o problema é que, se não houver medidas de correcção, a base de actualização das pensões em 2024 será menor, uma vez que o complemento pago em Outubro é extraordinário e não será incorporado no valor da pensão nos meses seguintes.

Tanto o PCP como o BE juntaram-se ao PSD e acusaram o Governo de estar a promover um corte nas pensões de 2023 em diante. E a Iniciativa Liberal chegou a propor que os pensionistas pudessem optar entre receber o complemento em Outubro ou a actualização prevista na lei.

Apesar da insistência dos deputados, Ana Mendes Godinho recusou-se a desvendar o que está em cima da mesa para 2024, remetendo para a comissão de peritos que está a estudar a sustentabilidade e a diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social.

A ministra sublinhou que o que acontecerá em 2024 depende da evolução do ano de 2023 e dos contributos da comissão criada há dois meses e que entregará um relatório ao Governo em meados do próximo ano.

“Não tomamos decisões precipitadas, decisões não reflectidas, sem perceber exactamente a evolução da situação durante 2022 e 2023, para termos garantias de que não estamos a hipotecar ninguém, nem as gerações actuais, nem as futuras”, disse.

BE e PSD exigem os cálculos do Governo

Apesar de garantir que os pensionistas não perdem rendimento, a ministra destacou os cálculos feitos pelo Governo sobre o impacto da fórmula automática de actualização das pensões na sustentabilidade da Segurança Social.

Tal como o primeiro-ministro tinha já afirmado na entrevista à CNN, Mendes Godinho lembrou que se as pensões subissem em linha com a inflação esperada (7,4%, a que se soma uma percentagem do crescimento do PIB), o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (uma reserva que permitirá pagar as pensões quando o número de reformados ultrapassar o número de activos) veria o seu tempo de vida reduzir-se de 26 para 13 anos.

“Temos alguns tabus, mas não temos tabus quanto a ajustes da fórmula [de actualização] para garantir que ela pode responder a momentos extremos para os quais não estava preparada, como aconteceu com o aumento extraordinário das pensões”, referiu, lamentando que haja “uma aliança de todos os partidos” contra “uma decisão que garante a sustentabilidade da Segurança Social”.

José Soeiro pediu à ministra que revelasse os cálculos que estiveram por detrás da decisão, numa troca de argumentos que teve de ser interrompida pela presidente da Comissão do Trabalho, Segurança Social e Inclusão.

“É evidente que [este número] foi com base em cálculos. O senhor deputado também os poderá fazer”, respondeu Ana Mendes Godinho.

Mais à frente no debate, também o PSD pediu ao Governo que divulgasse as contas que fez.

Valor do IAS de 2023 será apresentado no momento próprio

No debate desta quarta-feira, a ministra não desvendou igualmente o que acontecerá com o Indexante de Apoios Sociais (IAS) em 2023.

Questionada pelo PCP e pelo BE sobre a evolução do valor que serve de referência para a atribuição e cálculo de um conjunto de prestações sociais, das propinas ou do patamar de isenção de IRS, Mendes Godinho remeteu a resposta para o “momento em que ele é tradicionalmente apresentado”.

“O valor da actualização do IAS será apresentado no momento em que ele é tradicionalmente apresentado”, afirmou, remetendo para o Orçamento do Estado para 2023 que será apresentado a 10 de Outubro, e escusando-se a revelar se o Governo vai aplicar a fórmula prevista na lei ou a solução encontrada para as pensões mais baixas.

Depois de ter sido questionada insistentemente pelo deputado do BE, José Soeiro, a ministra acabou por reconhecer que o Governo ainda está a avaliar o impacto da actualização do IAS na despesa com prestações sociais.

“Em tempos extraordinários temos de ter a capacidade, o sangue-frio, para saber quais as medidas mais adequadas a cada momento”, afirmou.

Também nesta quarta-feira, o ministro das Finanças, Fernando Medina, foi questionado no Parlamento sobre o valor do IAS em 2023, mas não desvendou o que irá acontecer.

“Estamos a avaliar, tomaremos a decisão no tempo próprio”, afirmou, acrescentado que “o Governo tem feito e vai continuar a fazer o máximo que pode fazer pelos extractos mais vulneráveis da população”.

O IAS (que este ano tem o valor de 443,20 euros) foi criado em 2006 e a sua actualização é feita de forma automática, tendo em conta a inflação e o crescimento da economia, método que é também aplicado às pensões. Porém, como o Governo anunciou na semana passada que, em 2023, iria suspender a fórmula de actualização das pensões, fica por esclarecer se a actualização do IAS também ficará sujeita a novas regras.

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