Europa está a gastar mais luz nas ruas e a poluir mais

A transição para os LED não está a ajudar a diminuir a poluição luminosa presente em todo o planeta. O aumento da luz branca emitida, com a utilização destas lâmpadas LED, também tem maior impacto ambiental.

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A transição da iluminação para LED não tem atenuado a poluição luminosa Nelson Garrido

“Era o que temíamos, a Europa está cada vez mais brilhante”, avança Alejandro Sánchez de Miguel. Infelizmente, não é no melhor sentido. O investigador espanhol já esperava os resultados, mas a confirmação não deixa de o preocupar: a poluição luminosa está a aumentar no continente europeu.

Na última década, o aumento da presença de luz em aldeias e cidades durante a noite tem sido acentuado. E a revolução dos LED, que invadiram estes espaços, não ajudou. É o que indica o estudo em que participou Alejandro Sánchez de Miguel, investigador da Universidade de Exeter (Reino Unido).

O alerta para os riscos da transição para os LED já existia. Apesar da eficiência que alguns tipos de LED podem ter, em comparação com as lâmpadas de sódio tradicionais, a maioria das lâmpadas tem um maior impacto no ambiente pela luz branca utilizada.

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Representação da emissão de luz em Portugal, a partir dos dados recolhidos pelo investigador Sánchez de Miguel DR

E tem um outro impacto: estamos a gastar mais luz. “O LED é mais eficiente que tecnologias anteriores, mas está-se a colocar luz onde não existia e mais luz onde já existia. Há um aumento global de luz, porque esta gasta menos. Já não existem locais em Portugal sem poluição luminosa. É uma escolha da sociedade, mas é uma escolha ambientalmente errada”, diz Raul Cerveira Lima, investigador no Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, na Universidade de Coimbra. Apesar de todo o país estar a contribuir para a pegada luminosa, ainda são as regiões do litoral, e particularmente as áreas metropolitanas de Porto e Lisboa, a brilhar mais nos mapas de emissão de luz.

O trabalho de Sánchez de Miguel não aponta aumentos estatísticos porque compara espectros de cor, mas evidencia antes uma transição de toda a Europa para uma luz mais branca e azul, tornando o continente mais brilhante do que o espectro mais alaranjado que era comum vermos espelhado no território europeu.

O artigo que descreve esta transição, agora publicado na revista científica Science Advances, aponta mesmo que, “apesar de a revolução luminosa dos LED ter sido promovida para reduzir o consumo de energia, as emissões nacionais ou regionais (e provavelmente o consumo de energia) têm aumentado”.

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À esquerda, um mapa da emissão de luz na Europa em 2012 (com tons mais alaranjados). À direita, a emissão de luz já em 2020, com o azul a espalhar-se. DR

Mais do que uma novidade, para o investigador espanhol esta é a confirmação de um problema já referenciado pela Comissão Europeia e por outros estudos em que participou: “A transição para o LED pode ser muito bem-sucedida, mas também pode ser um desastre. Os dados que temos neste trabalho mostram que, até ao momento, está mais perto de ser um desastre.”

Os dados que recolheu, com outros investigadores da Universidade de Exeter, e que mostram uma Europa mais brilhante conjugam a intensidade da luz medida por satélites norte-americanos com as imagens capturadas por astronautas na Estação Espacial Internacional, permitindo também comparar o brilho fotografado a mais de 400 quilómetros da superfície da Terra.

Portugal no topo dos poluentes

“Portugal é dos países com maior índice de poluição luminosa na Europa, juntamente com Espanha e Itália. Emitimos quatro vezes mais luz por habitante do que a Alemanha”, indica Raul Cerveira Lima. De acordo com os dados de 2019, a partir de um estudo publicado na revista Journal of Environmental Management, somos mesmo o pior país da Europa em poluição luminosa, no que respeita ao fluxo luminoso per capita e também em função do PIB.

Apesar disso, Portugal não está entre os países com maior crescimento da luz emitida entre 2013 e 2020 – o período em análise pela equipa de Sánchez de Miguel. “Este estudo mostra que estamos a aumentar a poluição luminosa, principalmente nas regiões a Sul. Mas há países com um crescimento mais rápido, como o Reino Unido, Itália e Roménia”, destaca o investigador espanhol.

Uma forma de mostrar estas disparidades luminosas é olhar para a região da Alemanha, Bélgica e Países Baixos, diz Sánchez de Miguel. Aqui a cor alaranjada da Bélgica demarca as fronteiras face a tons mais amarelados dos Países Baixos ou aos tons mais azuis da Alemanha.

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Imagem a partir das fotografias da Estação Espacial Internacional que mostra a divisão dos países pela cor do brilho: Bélgica (a amarelo), Países Baixos (laranja) e Alemanha (azul) DR

Reduzir para poupar o ambiente

Os tons azulados serão um mau sinal pelo impacto que têm na biodiversidade. Raul Cerveira Lima, também professor na Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico do Porto, dá o exemplo da própria cidade em que lecciona: “Apesar de não haver muita investigação em Portugal, até pela pouca importância dada à poluição luminosa cá, os impactos existem. Podemos observar os pirilampos, que existiam na cidade do Porto até aos anos 1980. Hoje é impossível encontrá-los. A luz afecta as aves nocturnas, os roedores, os morcegos”, explica.

“Na Alemanha houve uma redução da iluminação pública, precisamente pela diminuição dos insectos. Associa-se parte do desaparecimento dos insectos ao excesso de luz nocturna. E isso acontecerá na Alemanha como em qualquer outro país”, acrescenta o investigador português.

A poluição luminosa influencia directamente os fluxos migratórios das aves e até a orientação das tartarugas marinhas (que confundem as luzes com a linha do horizonte). Os efeitos também se repercutem nos humanos: problemas no sono ou depressão têm sido associados à poluição luminosa a que estamos sujeitos. E, claro, na astronomia e na capacidade de observamos as estrelas.

E este não é um problema meramente citadino. Apesar de ser em cidades como Lisboa, Madrid ou Barcelona que a poluição luminosa é mais visível, podendo-se inclusive ver a luz desde a Estação Espacial Internacional, estes problemas também se notam em zonas rurais – que já começam a ser assinaladas nestes mapas de emissão de luz.

Tanto para Sánchez de Miguel como para Raul Cerveira Lima, a solução é monitorizar e reduzir as emissões de luz. “Nada te obriga a escolher LED tão brancos. A recomendação é de quanto menos luz azul, melhor. Um compromisso bastante aceitável seria os 2200 Kelvin. Já existem LED capaz de reproduzir as cores bastante bem com estes valores”, realça o espanhol. Actualmente, de acordo com o manual de iluminação pública da EDP, as lâmpadas variam entre os 2700 e os 10.000 Kelvin (medida de temperatura de cor, em que quanto mais elevada, mais azul é a luz).

Para já, a poluição luminosa continua a não ser um assunto prioritário na pasta do ambiente, apesar dos avisos lançados pelos estudos – e que colocam Portugal no topo dos mais poluentes por pessoa.

“A ideia não é pôr tudo às escuras. É reduzir e tratar a luz como um poluente. Vamos reduzir de maneira a conseguir um equilíbrio entre o bem-estar e a preservação quer do céu, quer dos ecossistemas”, conclui Raul Cerveira Lima.