Miguel Flor numa viagem homoerótica em busca do pulsar da juventude

Há algo de íntimo, libidinoso e homoerótico nas imagens de Boy's Appetite, em exposição na Livraria Aberta, no Porto. Elas são como o beijo de um vampiro, que morde e rouba a juventude.

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Quem não gostaria de ter o segredo da eterna juventude? Miguel Flor anda à procura dele. O projecto Boy’s Appetite, que o designer de moda desenvolve há seis anos, “está muito ligado à ideia de juventude”, apresenta-o. De sentir o pulsar jovem e alimentar, a partir dele, a minha própria juventude.” É assim que define o conjunto de imagens que reuniu num livro e que se encontram em exposição na Livraria Aberta, dedicada exclusivamente à temática queer, na Rua do Paraíso, no Porto.

“As minhas imagens são como o beijo de um vampiro, que morde e rouba a juventude”, diz, em entrevista a partir do Porto. Quando fotografa, “caça”. “Há um raio que atinge o meu olhar até ao objecto, que penetro impenetravelmente. Há um êxtase em mim ao fazer a imagem, ao registar aquele momento. Sinto que toco sem realmente tocar.” Deseja, mas nunca toca.

As imagens que compõem Boy’s Appetite descrevem, na sua maioria, os corpos seminus de rapazes jovens. Mas não só. “É aberto ao apetite de todos”, sublinha. 

A viagem de Miguel Flor é feita, na verdade, de muitas viagens. “Elas são inspiradoras.” No dia-a-dia não anda sempre munido de uma câmara fotográfica, mas quando viaja tem “sempre uma arma pronta a disparar”. E foi precisamente numa viagem a Berlim, em 2017, que o projecto arrancou. O designer de moda já fotografava antes desse ano, conta, mas essa fotografia estava, inevitavelmente, relacionada com o seu trabalho.

Foi em Berlim que começou a fotografar, espontaneamente, rapazes que passavam diante de si. “Fotografava aquele momento de desejo de tocar, de me aproximar, de conhecer, de roubar parte da juventude de quem estava ali, daquele pulsar.” Mas nunca toca, sublinha. Nunca se aproxima. “É um desejo que não ultrapassa o apetite.” O pescoço, uma presença quase constante nos seus retratos, simboliza esse pulsar. “É no pescoço que sentimos o coração. E se o torcermos um bocadinho, salta uma veia muito masculina que me agrada.”

No seu livro constam imagens que retratam pessoas sem rosto, feitas durante o dia, mas não só. “Faço também fotografias de festas em clubes nocturnos e para isso utilizo o iPhone.” Não é um purista da imagem, o que lhe interessa mesmo “é o objecto, a sensualidade, a poesia”. “Os meus retratos não vendem as pessoas, e esse é um dos manifestos do meu trabalho. É uma oposição à selfie e à egomania que fervilha nas redes.” Há também fotografias de elementos de aspecto fálico ou que remetem para algo libidinoso. “Há um certo humor nessas imagens, mas também há poesia.”

Em 2020, quando lançou o fotolivro pela Stolen Books, surgiu a pandemia. Foi nesse ano que transformou as suas fotografias em posters e os espalhou por Ponta Delgada e por Lisboa. “Foi fantástico porque abriu uma nova janela para o meu trabalho”, conta. “Assim voltou à rua o que roubei da rua.” Os posters mantiveram-se intactos na ilha de São Miguel, onde permanecem até hoje, diz o designer, mas em Lisboa houve quem tentasse levá-los para casa. “As pessoas queriam tê-los e, sem querer, ao retirá-los, rasgaram-nos.”

 Há “uma espécie de activismo que tem que ver com a projecção do corpo masculino” nas suas imagens, embora, admita, não seja esse o propósito com o qual desenvolve o projecto. “Tanto na publicidade como na moda, está mais visível o corpo feminino do que o masculino. Há pouco corpo masculino à mostra nas ruas, no quotidiano.” O designer gostaria de “tornar a masculinidade [que se vê normalmente representada] mais híbrida.”

Para Miguel Flor, o trabalho que realiza tem algo de íntimo, de seu. “No momento em que exponho, na rua ou numa galeria, perco essa intimidade com as imagens e elas deixam de me pertencer”, explica. “Quando imprimo, sinto que me afasto delas – e, quando desmonto as exposições, elas voltam para mim.” No dia 17 de Setembro, quando forem desmontadas da Livraria Aberta, as imagens regressarão a casa.

©Miguel Flor
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©Miguel Flor
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©Miguel Flor
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