Natália Correia, um sentido de plenitude ou uma demanda permanente?

Quantas décadas terão ainda de passar sobre a morte de Natália (13/09/1923 — 6/3/1993), para compreendermos o que ela escreveu?

De que valerá somar anos, datas e pendurar-lhes o letreiro de efeméride, sem procurarmos desenhar um mapa de vida cheio de encruzilhadas, na busca incessante de um sentido para as coisas?

De que valerá continuarmos a olhar para as palavras, sem conseguirmos descobrir nelas o seu poder inesgotável de sentido? “… nasci de me verem sempre de soslaio /de eu dizer em Junho/e eles em Maio.

Quantas décadas terão ainda de passar sobre a morte de Natália (13/09/1923 — 6/3/1993), para compreendermos o que ela escreveu?

Nessa demanda permanente, questionamos a nossa condição humana, perante os grandes enigmas. Que importam vãos sinais: menos ou mais. “/Eu estou nos quatro pontos cardeais /prometida ao mundo dos assombros. / Pelas estrelas que hão-de levar-me aos ombros.” (1)

Predestinada, segundo ela própria se entendia, à terrível fascinação de viver, a cumprir até ao fim o seu prometido destino de ficar de pé nas pernas de um projecto de deus (2); e a “ser livre na prática quotidiana de um sonho difícil ( …).” O que lhe terá faltado?

Foto
Natália Correia PEDRO CUNHA

Dominava vários idiomas linguísticos, mas também os simbólicos, os alegóricos, os mitológicos, os ocultos (crenças, magias, profecias, mistérios), e até os pictóricos que inundavam e escorriam da sua obra, e compunham todo um mosaico hermético a que ela dava várias formas: “Ó subalimentados do sonho/a poesia é p’ra comer!

Bastaria acompanhá-la na travessia do muro, pelo trilho que nos deixou a mistura de basalto e flores, de que é feita a sua poesia, pós de oiro que foi deixando cair a marcar o caminho para uma nova idade do mundo?

Vigiar e guardar a LIBERDADE? “Corpórea e branca tornou-se a liberdade/Para lhe abrirmos todas as janelas./Mas já desbota o alvo em alvaiade/Atacado de manchas amarelas./" (3)

Posto que pedir-lhe mais vida tinha, também, um alto preço, como simples mortais, apenas nos resta o canto, e “O homem canta. /E enquanto canta, o homem dura. / Porque o seu canto é perceber / que a voz prevalece à criatura.” (4)

E assim iremos assinalando a linha do tempo, até à porta do mistério final, onde buscaremos vestígios da ave exausta, de asas feridas que ali se foram fechar, e “/Seguir na barca que passa o golfo escuro/E ao Grande Enigma abandonar os remos.” (5)

(1) CORREIA, Natália, “Vós que torpes e Tredos me Negais”, in O Romper da Manhã na Noite Mística, Antologia Poética, Porto, 2002, p. 264

(2) CORREIA, Natália, Não Percas a Rosa, Lisboa, Editorial Notícias, 2ª ed. 2003, p. 16

(3) CORREIA, Natália, “Já as primeiras cousas são chegadas”, IV, in Epístola aos Iamitas, 1976, Poesia Completa, op. cit. p. 420

(4) CORREIA, Natália, “Meditação”, in Apontamentos, Poesia Completa, O Sol nas Noites e o Luar nos Dias, Lisboa, Publicações Dom Quixote, l999, p. 82

(5) CORREIA, Natália, “Poesia: Ó Véspera do Prodígio! (I)” in Sonetos Românticos, Antologia Poética, op. cit., p. 614

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