Usar a inteligência artificial para acelerar descoberta de fármacos

O modelo resulta de uma colaboração entre faculdades da Universidade de Coimbra. Na investigação, recorreu-se à inteligência artificial, através de métodos computacionais “que consigam gerar compostos farmacologicamente interessantes de uma forma mais rápida e automatizada”, segundo a equipa.

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Modelo recorre a técnicas de inteligência artificial RITCHIE B. TONGO/EPA

Uma equipa de investigadores da Universidade de Coimbra (UC) concebeu um modelo computacional que pode vir a tornar mais rápido e menos dispendioso o desenvolvimento de novos fármacos para o tratamento do cancro.

O modelo resulta de uma colaboração entre a Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCTUC) e a Faculdade de Farmácia (FFUC), com recurso à inteligência artificial, através de métodos computacionais “que consigam gerar compostos farmacologicamente interessantes de uma forma mais rápida e automatizada”, referiu a UC, em comunicado. “Considerando que a descoberta de um fármaco é um processo extremamente complexo, moroso e dispendioso, este trabalho teve como objectivo encurtar as etapas iniciais de desenvolvimento de fármacos”.

Para desenvolver o novo modelo, a equipa do Departamento de Engenharia Informática da FCTUC recorreu a técnicas de machine learning, designadamente deep learning, um método que utiliza redes neuronais artificiais, que permitem criar modelos inteligentes, “através da mimetização da capacidade de aprendizagem dos modelos biológicos”. Deste modo, “são capazes de identificar padrões embebidos em conjuntos de dados e, a partir daí, é possível obter modelos que geram novas estruturas moleculares que prevêem propriedades biológicas de interesse”, explicou Tiago Oliveira Pereira, primeiro autor do estudo que faz parte do seu doutoramento.

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Da esquerda para a direita: Joel P. Arrais (investigador principal), Maryam Abbasi (investigadora auxiliar) e Tiago Oliveira Pereira (primeiro autor do estudo) DR

Os investigadores utilizaram também o designado reinforcement learning (aprendizagem por reforço), que permite optimizar o modelo generativo durante a exploração do espaço químico existente. “À medida que o modelo gera novas moléculas, ele recebe uma recompensa, que será maior ou menor, dependendo do estado de optimização das propriedades dos compostos. Assim, ao longo deste processo de optimização, o gerador de compostos vai aprender a identificar as regiões do espaço químico que lhe permitam obter maior recompensa e melhores compostos”, precisou Tiago Oliveira Pereira.

Segundo os autores, o modelo desenvolvido é inovador porque “combina informação química, através dos compostos, e biológica, por via de informação da expressão génica, de modo a encontrar moléculas promissoras na inibição do receptor e que não causem efeitos indesejados ao sistema biológico”.

Inibir uma proteína

Com a colaboração do laboratório do professor Jorge Salvador da FFUC, foi possível aplicar o modelo num caso de estudo para a geração de compostos capazes de inibir a proteína USP7 (de ubiquitin specific protease 7). O modelo foi aplicado num caso de estudo para a geração de compostos capazes de inibir essa proteína, que assume um papel fundamental “na progressão de vários tipos de cancro e, actualmente, é vista como um receptor importante para o desenvolvimento de fármacos”.

A UC sublinhou que os resultados obtidos nas experiências realizadas são altamente promissores, tendo o modelo demonstrado elevada capacidade para gerar moléculas potenciais inibidoras da USP7. “Mais de 90% das moléculas continham propriedades físicas, químicas e biológicas essenciais para que ocorra a interacção com o receptor. Para além disto, verificámos que alguns compostos gerados pelo modelo apresentam semelhanças com fármacos anticancro ao nível dos seus grupos activos, o que valida a abordagem implementada”, realçou Tiago Oliveira Pereira.

Apesar de ter sido validado com dados de cancro da mama, o novo modelo computacional pode ser aplicado a “diversos contextos em que se possam obter dados de expressão génica associados à progressão da doença”.

O investigador adiantou ainda que os próximos passos da investigação vão incidir na melhoria da arquitectura implementada e na “definição de um conjunto de métodos de validação para filtrar as moléculas obtidas e, dependendo dos resultados, avançar para a síntese dos melhores compostos”. O estudo foi cofinanciado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, pelo Programa de Investimento e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central e por fundos europeus, através do projecto D4-Deep Drug Discovery and Deployment.

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