Graham’s, Taylor’s... e Mateus Rosé na garrafeira de Sua Majestade

O recheio da garrafeira da Família Real Britânica, as royal warrants, a rainha Isabel II e os brindes com vinho do Porto na recepção a chefes de Estado e outras histórias.

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Pormenor de porta na Quinta dos Malvedos, o pilar dos Portos Vintage da Graham's, empresa que em Abril viu a sua Royal Warrant ser renovada pela rainha. DR

A garrafeira real. Sim, existe tal coisa. As bebidas que constam da Royal Wine Cellar, preferências da rainha Isabel II mas também de outros membros da Família Real Britânica, são consagradas por royal warrants, como explicava Miguel Esteves Cardoso em Maio, dias depois do 96.º aniversário de Sua Majestade. “A maior amiga” do vinho do Porto, nas palavras de Paul Symington.

Figuram numa lista pública, disponível online, para escrutínio de todos, e incluem whiskies, gins, champanhes, vinhos tranquilos e, claro, vinho do Porto. Ou não existisse uma forte e histórica ligação dos britânicos à região do Douro e ao comércio do vinho fino. Forte as in ao mais alto nível, como perceberemos mais à frente.

A monarca com o reinado mais longo do Reino Unido (sete décadas), falecida esta quinta-feira na Escócia, aos 96 anos, gostava (ela e/ou a família) dos Portos da Graham's (Symington Family Estates) e da Taylor's (The Fladgate Partnership), “dois grandes e deliciosos rivais”, como escreve MEC.

Casas que assinalaram em 2022 o Jubileu de Platina da Rainha Isabel II com lançamentos especiais. A Taylor's, que em 2017 recebeu o Alvará Real de fornecedor de vinho do Porto a Sua Majestade, lançou o Taylor's Very Very Old Tawny Port — edição Platinum Jubilee. E a Graham's, logo em Janeiro, engarrafou o Graham’s 1952 Single Harvest Tawny Port: 70 garrafas para assinalar 70 anos de reinado. E ofereceu “algumas garrafas e uma jeroboam (garrafa de 4,5 litros) a Sua Majestade”.

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A Taylor's é uma das duas casas de vinho do Porto com alvará real de fornecedor a Sua Majestade. E em 2022 lançou um tawny pelo Jubileu de Platina da Rainha Isabel II. DR

Esclarece a Symington que a rainha já tinha servido o mesmo tawny “no final do banquete real que ofereceu no Castelo de Windsor em Maio de 2012 [aquando do Jubileu de Diamante], no qual marcaram presença quase todas as famílias reais do mundo”. “Com a amável autorização do Palácio” de Buckingham], a empresa engarrafou então “uma edição limitada do Porto Single Harvest Tawny 1952 da Graham's” e foi já com este Porto que “reis, rainhas e chefes de Estado de todo o mundo brindaram” a Isabel II nos seus 60 anos de reinado. “Um Porto fabuloso”, parafraseando Manuel Carvalho.

A Symington engarrafou outro Porto “muito especial e único” pelo 90.º aniversário de Isabel II, em 2016, para celebrar a ocasião. Foi com esse Porto Tawny da Graham's que “no dia 21 de Abril de 2016, no aniversário de 90 anos da rainha, num jantar privado com todos os membros da família real presentes, foi feito o brinde a Sua Majestade”.

Uma curiosidade: na tanoaria de uma outra casa do universo Symington, a Cockburn's, figura há anos uma fotografia de Isabel II, misto de homenagem e talismã, pendurada no meio de recortes de jornal e calendários e outros papéis prosaicos, naquela que é ainda hoje a última oficina do género em Vila Nova de Gaia. Uma escolha dos tanoeiros, que não está relacionada com qualquer visita. A rainha nunca visitou as caves de vinho do Porto, apesar de ter estado na cidade, em 1957.

Já a Churchill's viu o seu Churchill’s 1985 Vintage Port ser servido no jantar de Estado que se realizou no Palácio de Buckingham aquando da visita de Donald Trump, o então presidente norte-americano, ao Reino Unido, em 2019.

Os brindes oficiais com Porto

Podia ser com champanhe. “Why not?”, diz Paul Symington. Mas não. Era com vinho do Porto que a rainha brindava no final das visitas de Estado. “Cada vez que [Isabel II] recebia o presidente dos Estados Unidos ou o presidente da China, ou qualquer outro chefe de Estado, no Palácio de Buckingham, era sempre vinho do Porto que serviam no fim”, partilha o inglês que se reformou em 2018 da liderança da Symington Family Estates.

“Pode não estar um português presente mas é servido vinho do Porto. Não há valor esse tipo de projecção”, sublinha o inglês que tinha três anos quando Isabel II esteve na Feitoria Inglesa, na Invicta. “Sempre vintage”, embora nos últimos anos a rainha tenha comprado alguns “tawnies velhos, ligados a datas especiais”.

Vintages em que a Casa de Windsor investiu, “quando foram declarados”. Comprou-os “jovens” ainda, para guardar e servir mais tarde. “Esperamos que o próximo rei [Carlos III] mantenha essa tradição”, diz ao Terroir Paul Symington.

E, falando em brindes, há outra tradição, com “mais de 200 anos”, a ligar os britânicos ao vinho do Porto. “Na Marinha e no Exército [britânicos], nos jantares dos soldados, há sempre um brinde com vinho do Porto, desde as Invasões Francesas. Já assisti a várias provas e jantares com regimentos britânicos. E em Sandhurst o grande colégio militar britânico, há estes jantares em que todos os oficiais se levantam e há um brinde — ou havia — à rainha. É algo que está completamente enraizado na tradição britânica”. E isso, diz Paul Symington, acontece “em qualquer lugar em que haja oficiais juntos e desde que haja vinho do Porto”, claro.

O pedido de Mateus Rosé

O Terroir contactou várias empresas produtoras de vinho do Porto, as maiores, e de uma delas chegou-nos uma resposta surpreendente. Referências do vinho generoso com ligação directa à rainha não têm, mas receberam ainda “na semana passada” uma carta em nome de Isabel II a agradecer o envio... de uma garrafa Mateus rosé.

“Foi enviada à rainha uma garrafa Mateus de edição limitada — Mateus Special Family Edition, de forma a assinalar a celebração dos 80 anos de Mateus Rosé. Foi neste sentido que Fernando da Cunha Guedes recebeu na semana passada uma carta de agradecimento em nome da rainha”, explica fonte da Sogrape, que detém a marca.

Da lista de bebidas da garrafeira oficial não constam vinhos tranquilos portugueses, mas isso não quererá dizer que a rainha ou a família real não comprassem os nossos vinhos de mesa.

Na resposta enviada ao Terroir pela Sogrape, explica-se, “para contexto”, que, “na década de 60 [do século XX], a rainha Isabel II pediu uma garrafa de Mateus Rosé numa festa privada no Savoy Hotel em Londres” e que terá sido “assim que [vários anos mais tarde] Mateus passou a ocupar um espaço na Royal Wine Cellar”. Recentemente, portanto. E “depois” da última publicação da tal lista, em Abril.

A rainha Isabel II de Inglaterra visitou duas vezes Portugal, em 1957 e 1985. Da primeira vez, cinco anos após a sua coroação, para além da sua visita a Lisboa, Isabel II deslocou-se ao Porto, a Vila Franca de Xira, à Nazaré, a Alcobaça e ao mosteiro da Batalha. Na Invicta, esteve então na Feitoria Inglesa, não a convite da comunidade britânica na cidade — que estava lá, claro —, mas do Estado português.

Notícia actualizada às 15h20 com o jantar de Estado, com Trump, em 2019, em que foi servido um vintage da Churchill's

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